terça-feira, 29 de dezembro de 2009

...pensamento do dia...


Em 2009 aprendi que:

- as palavras são fáceis de dizer, mas são difíceis os actos;
- os que mais amamos nos podem magoar infinitamente;
- o amor para a maioria das pessoas é uma palavra e um sentimento bastante descartáveis;
- a crença nas pessoas nos pode lacerar a alma;
- os nossos sonhos são bem diferentes da realidade.


Em 2010 vou continuar:

- a falar o que sinto e a agir por mais difícil que seja;
- a amar mesmo que magoe;
- a entregar sentimentos e amor mesmo que os deitem fora;
- a acreditar nas pessoas;
-a sonhar.


Feliz Ano Novo…Ano Novo, Vidas Novas, Novas Concretizações, Amores Verdadeiros e Grandes Sucessos para todos!

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O chão que eu escolhi

As lágrimas encobertas pela água do banho. A água a ferver que escalda o corpo. E não sei se são as lágrimas ou a água que escorre que queimam a pele. Ou se queimam a pele ou o meu corpo por dentro. Já não sei nada ou então não quero saber. As mãos não se movimentam e deixo as águas caírem sobre mim como um dilúvio que não se anunciou. Agora quero chorar, quero chorar tudo a que tenho direito, quero chorar para não chorar mais. Quero esgotar-me das águas que tenho em mim para que esteja seca quando talvez chegares.

Vais talvez chegar quando estiver seca, esgotada, aliviada. Vais talvez chegar e eu tenho que aprender a partir. Tu que és o chão debaixo dos meus pés, que és o meu porto de abrigo, que és o fio que me liga à terra, tu que nunca chegas nem partes. Simplesmente tu que não sabes chegar e partir ou partir e chegar. Eu não sei partir porque aprendi só a chegar. Aprendi a assentar os meus pés no teu chão. Mas o teu chão está carregado de tremores de terra, de brechas prontas a engolir-me. E eu vou equilibrando-me no meio dos sismos, dos abalos do teu chão. O chão que eu escolhi. Procurei-te uma meia vida e outra meia vida tenho para não te procurar mais. Tu tens a vida inteira. Tens uma vida inteira para procurar o teu chão.

Quando tiveres dúvidas pergunta a ti mesmo: Quem vês quando queres desabafar? Quem vês quando queres dizer o maior disparate. Quem vês quando te sentes só? Quem vês quando queres partilhar os teus sucessos e as tuas derrotas? Quem vês quando imaginas mil projectos? Quem vês quando vestes uma roupa nova? Quem vês quando precisas de um abraço? Quem vês quando queres chorar ou sorrir? Quem vês quando ouves aquela música? Quem vês quando olhas o antes, o aqui e o depois? Quem vês quando estás farto de tudo e de ti? Quem vês quando abandonas o teu ego? Quem vês é o teu chão.

Agora tenho que aprender a ir embora em silêncio para que sintas saudades do ruído que fui nas palavras ditas a qualquer hora, para que sintas saudades do chão seguro onde assentaste os teus pés, para que sintas saudades do porto de abrigo dos meus braços, para que sintas saudades do fio que te ligou a esta terra…o meu corpo, a minha alma, quem sou.

sábado, 26 de dezembro de 2009

De olhos bem fechados (4)

Quero fechar os olhos para deixar de te ver mas não consigo. Observo cada movimento teu e finjo que não te olho. Os teus dedos a tamborilarem na mesa. Os teus olhos que procuram os meus. Os teus lábios que humedeces com a cerveja que não paras de beber. O riso forçado enquanto falas com alguém.

Quero fechar os olhos para te esquecer mas não consigo. Estás mesmo à minha frente e tenho que controlar-me para não olhar para ti. Não quero falar contigo mas no fundo sinto a falta da tua voz. Converso com quem está mais próximo mas é só a tua voz que eu oiço na mesa ao lado. Essa voz que eu conheço tão bem, essa voz que ainda ressoa na minha cabeça.

Quero fechar os olhos para fugir deste lugar. Passeias o teu corpo pelo bar, esse corpo que quero todas as noites mas que aparento não querer. Deveria ir embora daqui, já, mas não consigo. Desejo-te mais agora do que nunca mas não posso fraquejar. Continuo a conversar e já nem sei o que digo. Só não quero que olhes para os meus olhos porque sei que eles vão trair-me.

Quero fechar os olhos para voltar a estar junto a ti.

De olhos bem fechados (3)

As fotografias enganam, não são fiéis. Por mais que olhe para elas não te encontro naquele pedaço de papel. É dentro de mim que te encontro, reencontro e volto a encontrar cada vez que fecho os olhos.

Olho para o papel e não reconheço os teus traços. Falta o teu riso, o piscar de olhos, a respiração pesada, o cabelo desalinhado. Falta o movimento das tuas mãos, o tropeçar dos teus pés, a inclinação das tuas costas. Falta a tua voz, os teus pensamentos mais parvos, a tua roupa demasiado larga. Faltas tu.

De olhos bem fechados (2)

O nevoeiro nocturno vai dar lugar a uma manhã de sol, a manhã de sol vai dar lugar a uma tarde de calor, a tarde de calor vai dar lugar a mais uma noite submersa no nevoeiro.

E eu deixo-me engolir pelo nevoeiro, perco-me por aí, não vejo o que está para lá da cortina de névoa, e não me importo porque não quero ver. Sei que a manhã vai trazer o sol, nessa altura vou deixar que a luz me ofusque os olhos, e não me importo porque não quero ver. A tarde quente vai passar rápida e vai trazer as trevas nebulosas que não me vão deixar ver para além, e não me importo porque não quero ver.

Só quero ter os olhos fechados porque só assim vais estar mais perto outra vez.

De olhos bem fechados (1)

Fecho os olhos e ainda sinto o teu corpo junto ao meu. Adivinho as curvas do teu corpo encaixado no meu. Sinto a tua pele a colar na minha. O peso do teu braço e da tua perna por cima de mim. A tua respiração pesada e quente a escaldar o meu pescoço. É como se estivesses aqui, mas não estás.

Quero dormir mas cada vez que fecho os olhos voltas para junto de mim. É como se ainda estivesse no teu quarto, a olhar para ti enquanto dormes, enquanto viajas nos teus sonhos. O teu rosto está tão perto que quase consigo tocá-lo. Não me movo, mal respiro, não quero deixar fugir a tua imagem. Quero adormecer mais uma vez perdida na segurança dos teus braços.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Destino

Quando vaticinaram que o meu destino na terra era ajudar os outros e fazê-los felizes, mas que eu nunca o seria, apeteceu-me sorrir, mas ao mesmo tempo senti uma pontada de dor no coração. Pensei que a cartomante estava a brincar comigo.

Agora sei que ela estava a dizer a verdade. Eu sei sempre como atenuar a dor alheia, mas não consigo encontrar paz para a dor que é a minha vida. Sinto a minha vida vazia, triste e sem qualquer sentido. Sei sempre qual a palavra certa para cada pessoa que me procura, sei sempre cada acção que vai resolver cada problema alheio. Só não sei como dar rumo a minha própria vida.

Deixei que entrasses de novo na minha vida, quando já não esperava nada. Prometi a mim mesma jamais permitir que me magoasses outra vez. De que valem as promessas quando não as conseguimos cumprir. Devia ter percebido que não ia ser diferente desta vez, mas o meu alarme de perigo voltou a falhar e eu deixei-te entrar de novo nos meus domínios. Entraste de mansinho, tão devagar que nem dei conta que já estavas cá dentro. Deveria ter deixado a porta encostada, mas ela fechou-se como que impelida por uma ligeira brisa de verão.

Entraste de mansinho e saíste subitamente, sem dar tempo para me habituar à circunstância. Mas desta vez deixaste marcas mais profundas. Passámos demasiado tempo juntos, trocámos demasiadas experiências e segredos, deixámos demasiados vestígios nos nossos corpos. Deixaste-me a lamber as feridas sozinha e tu voltaste a seguir o teu caminho como se nunca tivesses estado aqui.

Agora quero abrir a porta e tenho medo de sair, de dar um passo em frente, de voltar a ver o mundo lá fora. Agora vou deixar que a campainha toque até se cansar, vou fingir que não ouço nada. Vou esconder-me bem agachada num canto qualquer, vou aparentar que não estou cá. Vou fechar a porta que escancaraste e depois bateste com toda a força.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

...pensamento do dia...


Natal

Velho Menino-Deus que me vens ver
Quando o ano passou e as dores passaram:
Sim, pedi-te o brinquedo, e queria-o ter,
Mas quando as minhas dores o desejaram...

Agora, outras quimeras me tentaram
Em reinos onde tu não tens poder...
Outras mãos mentirosas me acenaram
A chamar, a mostrar e a prometer...

Vem, apesar de tudo, se queres vir.
Vem com neve nos ombros, a sorrir
A quem nunca doiraste a solidão...

Mas o brinquedo... quebra-o no caminho.
O que eu chorei por ele! Era de arminho
E batia-lhe dentro um coração...

"Miguel Torga"

A tua grande dúvida

Apareceste do nada. Leve e discreto como uma brisa suave. Nem consigo lembrar-me de onde e quando apareceste. Limitaste-te a aparecer. Não houve música à tua chegada, nem foguetes. Não houve passadeiras vermelhas nem focos de luz apontados. Não houve qualquer indício nem qualquer premonição.

Não, não fazias nada o meu género. O teu ar divertia-me e a forma como me olhavas chegava a aborrecer-me. É verdade. Aparecias em todo o lado e em lado nenhum eu te esperava. Mas tu chegavas sempre.

Mas um dia ganhaste. Ganhaste a minha atenção por alguns momentos. Achei piada a tua persistência. Ou então estava para aí virada nesse dia. Eu sou mesmo assim. Olhei-te nos olhos, bonitos até. No teu cabelo, a fazer lembrar um boneco de desenhos animados, apeteceu-me colocar as mãos e despenteá-lo, não sei porque. Fiquei impressionada comigo.

Depois fui eu que comecei a procurar o teu olhar. A procurar em ti o que me chamava a atenção, sem nunca conseguir chegar a qualquer dedução lógica para o caso. Acho que nessa altura deves ter ficado baralhado com a minha mudança de atitude. Eu também estava baralhada com a situação pois não conseguia perceber o que se estava a passar comigo. Os nossos olhares cruzaram-se mil vezes, em mil alturas, em mil lugares.

De repente começava a pensar em ti. Até sorria ao pensar em ti. Acho que cheguei a adormecer a pensar em ti. Eram os sinais de perigo para mim. O alerta vermelho. A ameaça. Não quis saber.

Quando começamos a falar, naquele dia, achei-te piada, mas não quis avançar por demais. Fui antipática acho eu. Mas eu sou assim. Deixo sempre por dizer o que talvez poderia ou deveria ter dito. Deixei-te ali especado e fui-me embora num repente.

Porém, um dia acabei por cair nos teus braços e senti a paz e a calma que procurava há tanto tempo, mas também a tormenta de perceber que algo estava para acontecer. Rendi-me ao teu carinho e a tua falta de jeito, ao teu sentido de humor e delicadeza. Mas eu sentia que alguma coisa estava errada.

Agora sei o que estava mal, e estamos definitivamente mal. Não explicas muito bem e eu também não pergunto mais. De repente somos dois estranhos e as poucas palavras que trocamos separam-nos como um oceano separa dois continentes. Qualquer coisa que digas eu levo a mal. Tudo o que digo é propositado para magoar. Não me conheces. Não deixo que me conheças. Fingimos que não aconteceu nada. Estamos num impasse. Tu até tentaste explicar qualquer coisa, certas coisas, como tu próprio disseste. Mas eu não quis ouvir tudo até ao fim. Fiquei bloqueada e saltei fora das tuas indecisões e das tuas perguntas sem sentido.

Afastas-te e eu afasto-me. Já não te procuro. Tu não me procuras. Não sei o que pensas. Não te digo o que penso.

Sei que vais encontrar um amor na tua vida e que serás feliz. Eu estou feliz porque sei que ainda me procuras com o teu olhar e que algures dentro de ti ainda está a minha imagem. Não vai ser fácil apagar o meu vulto, porque eu vou estar sempre em alguma parte. Ela poderá ser o teu grande amor, mas eu serei para sempre a tua grande dúvida.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Adeus meu príncipezinho

Quando lhe disse adeus, nunca pensou que iria ser assim. Nunca pensou que iria sentir tanta falta dele, dos disparates ditos a altas horas da madrugada, de observar a sua face, de encaracolar os seus cabelos enquanto conversavam, do jeito de olhar, de tudo. Agora tudo parece vazio. A casa parece vazia, o carro parece vazio, a cidade parece vazia, o coração está vazio.

Dizer adeus nunca é fácil. Adeus parece sempre muito sério, para sempre, para nunca mais. Nunca gostou muito da palavra adeus, mas desta vez era a única possível para marcar o fim do que nunca deveria ter tido um início.

Não foi a primeira vez que lhe disse adeus, mas desta vez era com firmeza. Já tinham dito adeus em tantas ocasiões e acabavam por voltar ao ponto de partida. Mas agora tinha que ser um adeus definitivo.

Parece psicologia barata mas quando perdemos algo ou alguém damos mais valor ao que tínhamos e ela começava a perceber agora o quanto sentia a ausência dele, o quanto estava apaixonada por ele.

Para agravar a coisa tinham conseguido ter a pior noite que duas pessoas podem imaginar. Tanto tempo a espera para estarem juntos e de repente quando conseguem ficar sozinhos tudo se transforma num pesadelo. Os corpos estavam ali e as cabeças num lugar distante. O desejo transfigurado num outro qualquer sentimento desconhecido. Foi tudo tão estranho que ela só podia chegar a conclusão de que estava embruxada e não estava marcada para ser feliz nesta vida.

Deitada na cama fuma mais um cigarro e pensa nele, aquele que sabe que jamais poderá voltar a ter junto de si mas que de certa forma é o único que quer perto de si, sem saber se ele quando se deita pensa nela como aquela que quer ter perto de si mas jamais poderá ter porque nunca gostou dela o suficiente para a agarrar com unhas e dentes.

Não consegue dormir. Não deveria ter dado aquela volta na marginal. Não consegue esquecer que a mão dele pode estar numa outra mão que não é a sua. Aquela mão que deveria estar a apertar a sua. Aquela mão que deveria estar nos seus cabelos, na sua face, no seu corpo. Aquela mão que deveria ter nascido só para segurar a sua. Aquela mão que aperta outra mão deixando a sua vazia.

Ela sabe que tem as ideias baralhadas, mas já deveria estar a dormir e de certeza que não são horas para pensar com clareza. Tem que o esquecer e para isso sabe que tem que o recordar todo de uma vez, até a exaustão, para depois partir mais leve.

Senta-se em frente ao computador, apaga a luz, acende mais um cigarro e começa a escrever.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

...pensamento do dia...



Uma das coisas que mais me custa é assistir à degradação dos valores e posturas perante a vida. Ouvir durante anos criticar certas posições de determinadas pessoas em determinadas situações e depois fazer o mesmo, ou pior, custa a engolir.

O que leva as pessoas a esquecerem quem são e sempre foram? O que leva certas pessoas, que sempre tiveram os pés bem assentes na terra, a cometer os erros que sempre criticaram nos outros? O que leva certas pessoas a degradarem a sua postura e os valores que sempre defenderam?

Overdose

Existem coisas que não devemos desejar. Existem coisas que não devemos experimentar. Existem coisas que devemos deixar para os outros. Existem pessoas assim. Existem pessoas que são o nosso veneno, doce veneno. Bebemos às gotas, em pequenas porções, na esperança de nos tornarmos imunes. Mas na realidade ficamos embriagados e nunca imunes. Percebemos que é fatal mas mesmo assim aumentamos a dose a cada dia que passa.

Tu és o meu veneno. Nunca deveria ter-te desejado. Nunca deveria ter-te experimentado. Deveria ter-te deixado para os outros. Tu és o meu veneno, doce, embriagante, fatal.

Se me perguntares como tudo começou acho que não vou conseguir explicar-te. Ridículo, dirias tu. Ridículo, essa expressão que ouvi tantas vezes da tua boca. É ridículo, mas é a verdade. Mas se perguntares se eu sabia como iria acabar é mais fácil. Eu sabia que estávamos condenados. Porém isso não me travou a vontade de provar o sabor do teu veneno. Estávamos condenados porque a luta entre o veneno e o envenenado tem que ter um fim. Ou cessa o veneno ou sucumbe o envenenado.

Tu cessaste, foste embora, eu sucumbo, não ao teu veneno mas ao ritmo da longa ressaca que a tua ausência me provoca. Os restos do teu veneno ainda percorrem o meu corpo mas o que resta não acalma o meu desejo. Sinto uma febre que escalda, os meus olhos ficam baços, a boca seca, tremores e suor percorrem o meu corpo, não consigo dormir.

Se ao menos eu pudesse provar só mais uma vez. Só mais uma. Estou a suplicar como um drogado que pede a ultima dose antes de uma desintoxicação. Não podes recusar. Depois deixo-te partir. Depois afasto-me. Depois desenveneno-me de ti.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Era uma vez...

Era uma vez uma princesa que vivia sozinha numa estrela. Na sua estrela só tinha um castelo edificado de raios de luz e pequenos cristais de fogo e um baloiço feito de ruínas de meteoros. Todos os dias eram iguais no seu pequeno reino. Ali não existia manhã, tarde ou noite, só uma luz inalterável.

A princesa passava os seus dias a embalar-se no seu baloiço. Pensava muito entre o vai-e-vem do seu baloiço e sentia uma grande dor no peito à qual não sabia dar um nome. Quando se sentia cansada de balançar passeava pela sua estrela. Dava muitas voltas sem nunca se afastar muito das redondezas do seu castelo. Ainda não conhecia todo o seu reino porque tinha muito receio de se afastar do que já reconhecia.

Mas um dia a dor no peito foi mais forte e encheu-se de coragem. Saltou do seu baloiço e começou a caminhar com confiança muito para lá do seu castelo. Estava disposta a conhecer os seus domínios por completo.

Andou, andou muito, andou até sentir o seu corpo cansado. Então sentou-se num cantinho da sua estrela e sentiu saudades do seu baloiço e do seu castelo, únicos companheiros que conhecia desde há muito. Até ali a paisagem tinha sido toda igual. Uma vasta superfície iluminada sem qualquer surpresa. Desolada, encostou a sua cabeça nos braços, estendeu o corpo e adormeceu. Enquanto dormia sonhou com outras estrelas onde princesas como ela não viviam sozinhas e não sentiam dores no peito.

Quando acordou continuava a sentir a mesma dor. Levantou-se e encheu-se de nova audácia. Não podia desistir aos primeiros ataques de cansaço e de saudades do seu pequeno reino conhecido.

Caminhou durante muito tempo ate chegar a um precipício. Parecia ter chegado ao final da sua estrela. Ao princípio teve medo de espreitar o que estava para lá do precipício mas depois encheu o peito de ar e pensou que tanto tempo a caminhar tinha que valer alguma coisa e o medo não a poderia travar nos seus intentos. Ao mesmo tempo que se abeirava do grande buraco ouviu uma voz.
- Olá. Quem és tu?

A princesa sentiu muito medo e recuou alguns passos. A voz parecia estar presa na sua garganta e sentia o corpo todo a tremer. Precisou de alguns minutos para se recompor. Voltou a ganhar coragem e decidida espreitou para baixo. Nem queria acreditar no que estava a ver. Numa pequena estrela muito parecida com a sua, mas muito mais pequena, estava um rapazinho sentado num pequeno baloiço muito parecido com o seu, mas feito de cordas. Enquanto se baloiçava cantava numa voz muito melodiosa. Pareceu-lhe tão agradável aquele momento que não teve coragem de o interromper. Mas o rapazinho deu logo pela sua presença.

- Olá. Eu sou o príncipe e dono absoluto desta estrela. Vivo aqui sozinho há muito tempo. E tu quem és?
- Olá. Eu sou a princesa e dona absoluta desta estrela.
O silêncio fez-se sentir depois do curto diálogo. Ficaram a sorrir um para o outro. A princesa sentou-se na beira do precipício e o príncipe continuou a balançar-se no seu baloiço. Depois falaram durante horas e horas e mais horas. A princesa contou-lhe tudo sobre a sua estrela e o príncipe contou-lhe tudo sobre a sua estrela. Mais tarde depois de já conhecerem as suas histórias ficaram tristes. Perceberam que estavam separados por um grande espaço e que não poderiam ficar toda a vida daquela forma: a princesa sentada na beira do precipício e o príncipe a baloiçar-se a olhar para cima.

Então começaram a pensar numa forma de se juntarem numa das estrelas. Cada um tentou demonstrar porque é que a sua estrela era o melhor local para viverem juntos e tiveram a primeira discussão desde que se conheciam. A princesa triste virou as costas ao príncipe e afastou-se do precipício indo-se sentar junto a uma pequena rocha. O príncipe saltou do baloiço e foi para o seu pequeno castelo.

Não conseguiram descansar nem dormir durante muito tempo. Pensaram, pensaram muito, porque nenhum queria afastar-se do seu pequeno mundo mas queriam muito ficar juntos para jamais se sentirem sozinhos e com aquelas estranhas dores no peito.

De repente a princesa pensou que o maior problema não era afastar-se da sua estrela mas sim o modo como poderiam juntar-se numa das estrelas. Ela não sabia como poderiam executar tamanha tarefa pois as estrelas estavam muito separadas e tanto ela como o seu novo amigo não tinham forma de se deslocarem. Decidida levantou-se e dirigiu-se para o precipício. Quando olhou para baixo viu que o príncipe se baloiçava tristemente no seu baloiço olhando insistentemente para cima.

Acenaram os dois ao mesmo tempo e os seus rostos iluminaram-se com grandes sorrisos de alegria. Voltaram a falar durante muitas horas sem conseguirem arranjar uma solução para o grande problema. Mas passado muito tempo o príncipe teve uma grande ideia. Ele poderia retirar as cordas do seu baloiço para poder escalar até junto da princesa. Ela concordou logo com a ideia pois tinha muito medo de ter que ser ela a descer. Mas surgia assim um novo problema: onde atar a corda de forma segura?

Os seus rostos e os seus corações voltaram a encher-se de tristeza. A princesa sentia vontade de chorar e o príncipe começava a perder a esperança. E é num desses momentos de tristeza que a princesa se lembra da rocha onde durante tantas horas esteve encostada a pensar na sua vida. De certeza que seria um bom suporte para atar a corda.

Metem mãos ao trabalho e passadas algumas horas o príncipe consegue desmanchar o seu baloiço e atirar a corda para as mãos da sua nova amiga. A princesa com muito cuidado enrola a corda na pequena rocha e prepara-se para ajudar o príncipe na sua subida.

Quando se encontraram frente a frente estavam tão cansados que mal conseguiram falar. Então deram as mãos e começaram a caminhar determinados, já sem sentirem qualquer dor no peito ou tristeza. Agora teriam todo o tempo do mundo pois já não estavam sozinhos.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Mensagem curta

Procuro-te em todos os carros que passam, em todas as pessoas que vejo. Procuro-te em todos os locais que entro, em todas as ruas que atravesso. Procuro-te em tudo o que faço, em tudo o que deixo por fazer. Simplesmente procuro-te por aí, mesmo sabendo que não te encontro. E se te encontro perco-me para que não vejas que te procuro.

Espero-te mesmo sabendo que não vens. Espero-te mesmo sabendo que te disse que mais nada te diria. Espero-te mesmo sabendo que mais nada me dirás. Espero-te mesmo sabendo que a espera vai acabar em esquecimento. Espero-te todos os dias porque não espero mais nada.

domingo, 13 de dezembro de 2009

...pensamento do dia...


Quem ganha é quem tudo perdeu. Ganha, porque do nada renasce, levanta-se do chão onde caiu e entrega-se à luta. Ganha, porque adquire asas para chegar à luz ao fundo do túnel, corre por novos desafios e não se entrega ao medo.

Palavras ao mar

Descalça pela praia. O cão corre livre. A brisa da manha traz recordações de outros princípios de verão. A maré vazia descobre todos os rochedos. Pequenas poças entre as rochas convidam a molhar os pés.

A praia quase deserta. Na areia desenhos e frases fazem-na sorrir. O amor tem destas coisas. Quem poderá ter escrito tantos metros de palavras carregadas de emoção? Palavras que o mar vai acabar por apagar, arrastar, esquecer. Palavras que o mar vai lamber sem compaixão, sem remorsos, sem destino. Talvez alguém a quem a paixão ainda cabe nas palavras.

O cão de vez em quando pára e espera por ela que caminha devagar brincando com a areia com os seus pés descalços. Poderia desenhar na areia tantas palavras mas nelas já não cabem os seus sentimentos e pensamentos.

Arregaça as calças e dirige-se ao mar tranquilo. Saltita em primeiro nas rochas ate escolher uma bem lisa, senta-se e deixa deslizar os pés até uma poça. Estremece no contacto com a água fria. Acaba por deitar-se de costas, sempre com os pés na água, e deixa o sol acariciar-lhe a face. O cão vem para junto dela e estende-se do seu lado.

Ali está em paz. Mas as palavras travam uma batalha dentro de si. Querem sair de qualquer forma. Querem espalhar-se pela areia e deixarem-se levar na brisa. Querem ser tocadas pelo sol intenso e devoradas pelo mar. Querem adquirir corpo e fugir por aí.

Acaba por se levantar e espreguiça-se com vontade. Sente desejo de gritar mas não consegue. Salta das rochas para a areia e desata a correr. O cão desenha curvas e contra curvas de felicidade na areia molhada enquanto a acompanha. Tenta agarrá-lo e acabam por cair os dois. Soltam-se gargalhadas e latidos. Por entre os risos e a areia as palavras bailam na garganta e nos dedos.

Levanta-se de novo e caminha. Alguns metros à frente volta a parar e encosta-se na superfície lisa e quente de uma rocha. Fecha os olhos enquanto acaricia o pêlo quente do cão. Deixa-se abraçar pelo som suave do mar, pelos gritos das gaivotas, pelo sol escaldante e pensa que não poderia desejar mais do que aquilo. Mas deseja.

As palavras acumulam-se. Querem voltar a ser o recipiente dos seus sentimentos, querem voltar a ter significados, querem viver nem que seja por um acanhado momento, ali mesmo na areia até que o mar as apague. As palavras não suportam o seu desprezo, logo elas que sempre foram as suas melhores amigas. E deslizam até às suas mãos como água do rio que sempre desagua no mar.

Os dedos tremem ao tocar na areia húmida. E começa a escrever as palavras retidas há tanto tempo. Flúem suavemente como se nunca as tivesse negado, retido, amordaçado. Palavras que nunca lhe dirá. Palavras a que vai virar as costas sem olhar para trás. Palavras ao mar.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Eu estou aqui (5)

Sai do bar e entra no carro para procurar os amigos que devem estar num outro bar habitual. Olha para o outro lado da avenida e o coração começa a bater mais forte. É ele. Tem a certeza. O carro é igual e é capaz de reconhecer a figura dele mesmo no escuro, mesmo ao longe, mesmo no meio de uma multidão. Vai acompanhado e não consegue perceber com quem. Acelera e dá a volta na rotunda. Não o consegue apanhar. Ele também deu a volta na rotunda contrária. Cruzam-se no mesmo local, mas desta vez de lados opostos. Ele também a reconheceu. Mas ela decide que não vai andar às voltas na avenida e muito menos vai parar o carro. Vai fazer que nem o viu a passar. Acelera ainda mais e desaparece por uma rua secundária. Ele não vai ter tempo para perceber para onde é que ela virou o carro.

Dá algumas voltas pelo centro da cidade sem saber se tomou a decisão certa. Mas agora já é tarde. Volta para a avenida. Os amigos já devem ter chegado ao bar e ele já deve ter ido para casa. Estaciona em segunda fila porque não há lugares vagos. Senta-se na mesa de frente para a rua. Conversa pouco porque tem o pensamento a milhas. Acende um cigarro ao mesmo tempo que o vê passar novamente de carro na avenida. Pode ser uma coincidência. Não acredita que ele ainda ande à sua procura. Depois de tantos dias de silêncio não pode ser verdade. Enquanto está absorvida nos seus pensamentos o carro volta a passar. Passa muitas vezes e começa a ficar nervosa.

A conversa na mesa não passa de coisas banais. Acende mais um cigarro. Quando está a dar um gole na cerveja ele pára o carro mesmo em frente ao bar. Embora ela esteja mesmo de frente para a rua não consegue vê-lo muito bem. Ele esconde-se por trás do amigo que está no lugar do passageiro. As mãos dela tremem e já não consegue disfarçar a ansiedade. Ele não demora mais de um minuto ali parado, mas a ela parece-lhe uma eternidade. Ele põe o carro em marcha e vai embora.

Pega no telemóvel e escreve uma mensagem banal só para o testar. Sabe que ele não vai responder mas isso agora também não lhe interessa nada. Não passa muito tempo até receber o primeiro toque. Logo de seguida recebe uma mensagem. Depois de ler não sabe se deve rir ou ficar preocupada com o que parece uma cena de ciúmes. Recebe um novo toque. Não aguenta e levanta-se da mesa. Vai para a rua e marca o número dele.

Eu estou aqui (3)

É sempre assim. Sem qualquer aviso. Quando ela já não espera mais nada dele, quando o silêncio já ultrapassou os limites, ele surpreende-a. Sem mais nem menos, sem qualquer palavra, vindo do nada, mostra-lhe que ainda está por aí, que não está indiferente.

Queria não pensar nele. Queria não ter o coração a bater como um louco dentro do peito. Queria ficar indiferente. Queria não querer. Mas é inevitável. Basta ele dar um sinal e todas as palavras e actos de negação se desvanecem por completo. Esquece que não quer pensar nele. Esquece a indiferença. Esquece o silêncio. E lá volta tudo mais uma vez ao início.

Ela não percebe porque o quer tanto se no fundo nunca o teve na verdade. Mas o que a incomoda mesmo é não ter a certeza se ele também a quer desta forma estúpida. Será que basta um “eu estou aqui” de vez em quando para ela saber que ele também a quer? Talvez comece a ser pouco mas para já é o que tem e não pode pedir mais.

Eu estou aqui (4)

Estou insana. Procuro-te pela cidade. Percorro todos os bares e cafés. Não te encontro. Afogo-me em álcool o que nada alivia. Não confesso a ninguém. Mas continuo a busca incessante. Continuo a beber e não te encontro. Divirto-me sem vontade porque a minha única vontade é encontrar-te. A tua vontade desconheço. Continuo a beber. Acho que não tens vontade. Amanhã sei que te encontro. Amanhã vou dizer-te que estou aqui.

Amanhã tu vais responder que estás aqui. Amanhã eu volto a não saber quem realmente está aqui. Continuo a beber. Hoje estou sozinha e tu a esta hora também.

Eu estou aqui (2)

Os dias passam e eu esqueço-me de que já não te tenho, que nunca te tive. Penso em ti da mesma forma, nas mesmas horas. Continuo à tua espera sabendo que não tens razão para voltar porque nunca partiste de um lugar onde já estiveste.

Desespero e digo-te que o teu silêncio já respondeu as minhas dúvidas e que não espero qualquer atitude tua. Respondes-me que o teu silêncio quer dizer outras coisas, pedes-me calma e tempo. Eu não consigo esperar e definho de dia para dia. Dizes que também não é fácil para ti estar longe de mim mas que isso pode ser o melhor para os dois. E eu não sei estar longe de ti e vou-te deixando sinais para que saibas que eu ainda estou por aqui.

O meu coração espera-te mas a minha razão diz-me que já te perdi antes de te ter tido. E sei que este caminho vai dar ao nada e que vou ficar perdida, mas não sei como dar o salto.

Escondes-te e eu procuro-te. Perco-me para ver se te encontro. Não sei onde andas, mas sei com quem estás e encho-me de angústia. Volto para casa e não consigo dormir nem comer. Apago-me a cada hora que passa. Invento mil coisas para me distrair mas de nada serve. Escondes-te e eu não me encontro.

Eu estou aqui (1)

Ela deveria ter ido ter com ele. Não conseguiu e fugiu para casa. A coragem da noite anterior desapareceu e o álcool também. Aparecer sozinha pareceu-lhe um pouco estranho. Depois de tantos telefonemas e mensagens ficou sem palavras para lhe dizer.

Sentada a ver televisão sente-se perdida. Está a olhar sem ver aquela série das quintas-feiras que gosta tanto. De repente o sinal de mensagem no telemóvel. Abre com medo. Pode ser ele. E é. Estranhou a sua ausência e chama-a com uma só palavra. Dá-lhe um sinal de que está ali, à espera dela. Sente um misto de alegria e tristeza que não consegue perceber. Responde-lhe que não vai aparecer e pede-lhe que se divirta por ela.

Desliga a televisão e vai deitar-se. Na alma a sensação de que pode ter dado o passo errado, mas talvez seja melhor assim. Enquanto anda às voltas na cama espera que o sono venha rápido mas não está a ser fácil. Só pensa que deveria ter ido, sem medos, sozinha.

O telemóvel toca. Acorda estremunhada, olha para a hora tardia e atende sem ver quem é. Do outro lado toca uma música. Ninguém fala. Ouve de vez em quando uma voz que acompanha a música mas não consegue perceber quem é. Mexe-se na cama sem conseguir retirar o telemóvel do ouvido. Quer que seja ele mas tem medo de olhar para o visor e confirmar. A música acaba e instantaneamente desligam. Pouco tempo depois recebe uma mensagem. É ele a desejar uma boa noite. Sorri de uma felicidade que a deixa apreensiva. Ele deu-lhe novo sinal: eu estou e continuo aqui!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

...pensamento do dia...


Um dia destes, num café com uma amiga, falávamos do verdadeiro amor e da verdadeira amizade. Ela contava-me que tinha tido essa conversa com outra pessoa, à qual fez a seguinte pergunta: “Se tivesses um acidente e ficasses de cadeira de rodas com quantas pessoas poderias contar de entre os que consideras amigos?”

Achei a pergunta mais que pertinente, porque nos faz pensar nos amigos e nas pessoas que amamos e que nos rodeiam. Se um acidente nos colocar numa cadeira de rodas, nos mutilar a face ou um dos membros do corpo, se uma doença nos colocar numa cama por tempo indeterminado, quantas pessoas que amamos ficarão do nosso lado? Quantos dos que consideramos amigos continuarão a querer a nossa companhia ou nos farão companhia? Quem nos continuará a amar mesmo desfeados ou desprovidos da mobilidade? Quem não nos abandonará e nos apertará a mão nessas horas? Quem nunca nos repudiará quando não tivermos mais para dar do que o nosso amor?

Combustão interna

Tenho sede. Sinto muita sede. Nada alivia este sintoma de sede. Sinto-me a ferver por dentro, mas o corpo está gelado. Bebo e não muda a minha sede. Tenho medo de desidratar, arder e reduzir-me a cinzas num fogo intenso que o corpo exterior não confessa. No chão a garrafa de água. O copo na mesinha cabeceira. Na cama o corpo. A alma junto a ti.

Está vento lá fora mas o sol promete ardência. A janela aberta para poder fumar cigarros e mais cigarros. O aquecedor que já deveria ter arrumado no sótão está ligado junto aos pés descalços. Fumo um cigarro enquanto escrevo no computador. O pequeno rádio sintonizado numa estação qualquer solta músicas que nem deveria estar a ouvir porque não gosto delas mas hoje soam bem.

Dentro do café poucas mesas com gente. A esplanada está cheia. Sinto muito frio e só consigo estar entre paredes. Concentrada num jogo da máquina tento abstrair-me das vozes, do tinir da louça, do desfolhar dos jornais. A mão direita no visor da máquina enquanto a esquerda hesita entre um cigarro e um copo de cerveja. O cigarro talvez aqueça o frio do corpo e a cerveja talvez apague o fogo íntimo.

Os pés descalços no alcatrão. Adoro sentir o alcatrão quente nos pés. Não é só a sensação de liberdade é também o calor que sobe dos pés e invade todo o corpo. Passo a estrada. O contacto com a calçada quente. Depois a areia. Depois o mar frio. Um choque que me faz estremecer de prazer. Atiro a pequena bola de ténis para longe e o cão corre. Deixo-me cair na areia. Olho para o céu.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

...pensamento do dia...


Como conseguimos seguir em frente depois de perder o que mais amamos? Eu pensei que se me escondesse e não visse o que não queria ver que conseguiria. Mas estava enganada. Só quando vi com os meus olhos, o que não quis ver durante tanto tempo, é que consegui seguir em frente.

É preciso enfrentar. Ver a realidade como ela é. É preciso ser forte e aceitar. Agora que os meus olhos viram tudo, o que antes eu não queria ver, sigo em frente sem medo. A vida espera-me e tem um presente e um futuro para mim.

A mensagem

Já fumou mais de um maço de cigarros. Fez e desfez aquela mensagem no telemóvel mais de uma centena de vezes. Começou a escreve-la durante a tarde e já passa das duas da manhã e ainda não conseguiu enviá-la. Mudou algumas palavras, trocou o sentido a alguns pensamentos, abreviou termos.

Não consegue dormir. Enquanto deixa o tempo passar já correu todos os canais da televisão, já devorou um livro, já tentou escrever no computador, já fumou, já se deitou na cama, já se levantou, já se deitou mais uma vez, já olhou o telemóvel milhares de vezes, já esta e escrever outra vez.

Escolhe umas músicas no computador, senta-se e olha para as frases no ecrã. Não sabe qual a hora certa para enviar a maldita mensagem. Talvez agora ou mais tarde ou nunca. Acende mais um cigarro. Tem tantos pensamentos a fervilharem na cabeça que não consegue ordena-los nem transcreve-los. As mãos querem escrever mas o cérebro não está em posição de as comandar.

Atira a cabeça para trás e retira as mãos do teclado. Ouve a música e fuma. Ele não vai responder mas ela tem que lhe dar um sinal de vida. Dizer que ainda está algures por aí mas que não sabe se ele ainda está. Mas serão aquelas as palavras certas? Será que ele vai conseguir retirar o sentido certo que tentou dar a cada palavra, a cada frase, a cada pensamento? O tempo passa e o telemóvel continua ali a sua frente como um carrasco sem máscara.

Olha para a hora. Já olhou tanta vez que ainda não percebeu se está a passar veloz ou preguiçosa. Voltou cedo do café. Deu algumas voltas de carro pela cidade. Talvez tenha vindo cedo de mais para casa. Agora tenta inventar coisas para chamar o sono. Ontem bebeu demais, dormiu de menos. Está cansada mas o sono não vem.

Enviou a mensagem. Hesitou mas conseguiu. O dedo tremeu e o coração também. De repente consegue voltar a sua atenção para o teclado, para o ecrã. As ideias começam a fluir ordenadas. Mas parece que lhe falta o ar. Sente o peito apertado. Apetece-lhe outro cigarro. As pernas vacilam quando se levanta para tirar o maço de cigarros da carteira.

Agora só lhe resta esperar. Sabe que ele está a dormir. Melhor assim. Vai acordar com as suas palavras. Não importa que não responda. Tem a certeza que vai ler aquela mensagem até ao fim e isso basta-lhe. Mas o medo persiste. Medo de cair no ridículo. Medo que a verdade e os sentimentos a façam cair no ridículo. Mas ridículo talvez seja guardar tudo dentro de si, deixar passar ao lado a vida, não deixar transpirar a sua vontade.

Desliga o computador. Fecha a janela. Deita-se na cama desfeita. Lê a mensagem mais uma vez antes de dormir.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Carta ao Pai Natal

Pai Natal,

É a primeira vez que te escrevo uma carta e acho que já nem tenho idade para isso. Se calhar até és capaz de estar zangado comigo pelo facto de nunca termos trocado qualquer correspondência, mas mesmo assim vou pedir a tua ajuda.

Para começar vou contar-te um segredo. Eu adoro o Natal. Faço sempre aquele ar de quem não quer saber quando se fala dele, mas a verdade é que sou uma fanática. Adoro ver as ruas iluminadas e cheias de gente, adoro esbarrar nas pessoas que se amontoam nos centros comerciais, adoro imaginar mil prendas para quem gosto, adoro ouvir aquelas canções de natal que já sei de cor, adoro fazer os embrulhos e colocar laços e mais laços, adoro tudo. Agora que já sabes, vou passar ao essencial, pois não quero cansar-te logo no inicio da carta.

Sei que era bonito pedir paz para o mundo, felicidade para todos os seres humanos e erradicar a fome do planeta, mas de repente sinto-me egoísta e quero falar por mim e de mim. Estou farta de pensar nos outros em primeiro e deixar-me sempre para último plano. Sei que és capaz de compreender a minha posição. Também tu deves ter momentos em que pensas apenas em ti. Natal após Natal também tu deves ficar cansado destes chatos mortais que não param de pedir e utilizar a tua imagem por da cá aquela palha.

Não vou pedir-te brinquedos nem chocolates, não quero ganhar o euro milhões nem viagens as Caraíbas, não quero um porsche nem uma casa junto ao mar, não quero ser famosa nem ter um telemóvel com windows, não quero uma playstation ou uma wii fit, nem ser uma beldade. Não, não quero nada disso Pai Natal.

Se tens estado atento à minha caminhada nesta vida acredito que sabes que, mais do que qualquer outro ano, eu mereço neste um presente que realmente deseje. Às vezes penso que precisas de cooperação nas tuas longas vigílias. Sozinho não deve ser fácil controlar os passos de tanto menino e menina durante todo o ano, e depois enganas-te nos presentes e esqueces algumas casas. Eu sei que não tens culpa, pois começas a ficar cansado e o teu orgulho de Pai Natal não deixa que peças ajuda a mais ninguém. Mas este ano tenho a certeza que vais sair-te muito bem. Tens todo o meu apoio.

Amigo, se é que posso chamar-te assim, este ano quero uma pequena coisa. Descansa que não quero saber de prendas caras, nem quero artefactos de alta tecnologia. Este ano Pai Natal, quero que me tragas de volta o meu amor. Não precisa de embrulho nem de laços de cor. Só precisa de vir. E para te poupar trabalho envio-te em anexo a fotografia e a morada, pois não quero que percas muito tempo com o meu presente, que eu sei que tens outros pedidos difíceis para atender.

Um grande abraço desta amiga.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

...pensamento do dia...


Escrevi uma vez que “passamos uma vida à procura do que afinal já estava do nosso lado, mas cegos na busca esquecemo-nos do que é evidente”.

É uma realidade que chega a ser brutal para quem, pelo menos uma vez, se tenha apercebido dessa grande verdade. Na busca incessante de algo mais, de algo que nos preencha ainda mais, esquecemo-nos das coisas mais simples, das pessoas e dos sonhos que estão, e sempre estiveram, do nosso lado, ao nosso alcance, pertinho de nós.

Do jeito que tu me olhas (4)

Um príncipezinho ou simplesmente um sapo a espera de um beijo para se transformar? Se calhar os dois em um. Um príncipe numa grave crise existencial. Já é um príncipe mas teima em ser um sapo. O seu olhar reclama um beijo ao mesmo tempo que foge dessa possibilidade. Talvez já esteja habituado a ser o eterno sapo na eterna espera de um eterno beijo que ela jamais terá oportunidade de lhe ofertar. Talvez ainda não tenha reparado que já é um principezinho que teima em esconder-se na pele de um sapo, por trás de um eterno olhar.

Do jeito que tu me olhas (3)

Pedes-me para esperar por ti mas eu não consigo. Eu sei, eu vejo no teu olhar que tu me desejas tanto quanto eu te desejo. Não consigo esperar que medites no futuro enquanto eu quero morar no presente.

Será que estou enganada? Será que o teu olhar nunca me quis dizer aquilo que acho que me disse? Será que o meu olhar me traiu? A tua voz trémula, as tuas mãos agitadas, o teu olhar perdido talvez não tenham nada a ver com a minha boca seca, o meu corpo gelado e o meu rosto em brasa.

Assim não te quero. Fica sem mim. Não quero provocar um motim na tua vida e prefiro provocar mais um desastre na minha.

Pedes-me para esperar por ti mas eu não acredito. E por isso já me preparo para dar o salto e já arranjei um lugar em mim para guardar aquilo que não me podes subtrair jamais: o teu olhar.

Do jeito que tu me olhas (2)

Se lhe pedirem para descreve-lo a primeira coisa que lhe vem a cabeça é o seu olhar. Aquele olhar de menino, meio meigo meio endiabrado. Quando o dia não começa a correr bem ela pensa no olhar dele e sorri. Por aquele olhar vale a pena esperar tantas horas e aguentar qualquer chatice porque desde que o olhar dele lhe pertence já não se sente sozinha.

Foi com um olhar daqueles que ele a conquistou. Olharam-se de longe e ela sentiu logo os sinais de perigo. O coração a querer saltar do peito, as pernas bambas e uma família de borboletas em mudança para o seu estômago. Desde esse dia ela nunca mais deixou de procurar o olhar dele e ele nunca mais deixou de olhar para ela.

Do jeito que tu me olhas (1)

Às vezes quero lembrar-me do teu rosto, quando estou sozinha à noite no meu quarto, e não consigo. Então começo a recordar o teu nariz com uma ligeira curva, o teu sorriso aberto, o teu cabelo sempre desalinhado mesmo que o tentes domar com uma fita ou a despontar por onde pode de dentro de um boné, o jeito como os teus olhos pequeninos e escuros olham para mim. De repente ali está o teu rosto.

Logo a seguir tento lembrar-te por inteiro. Penso na forma como colocas o pé de lado quando estás distraído, a maneira como arqueias as pernas e colocas as mãos nos bolsos das calças ao mesmo tempo que curvas as costas e olhas para as sapatilhas quando estás a conversar. De repente ali estás tu mesmo à minha frente.

Tu não sabes mas o teu olhar faz-me bem e eu também olho para ti. Gosto de olhar-te disfarçadamente enquanto tu olhas para mim sem qualquer discrição. Observo-te sempre de longe à espera que olhes para mim daquele jeito que ainda não sei o que quer dizer mas que me deixa em sobressalto. E tu acabas sempre por olhar.

Tu não sabes mas às vezes dou por mim à tua procura. E quando acabo por encontrar-te não sei o que fazer. Na maior parte das ocasiões faço que não te vejo. Mas noutras alturas vou ter contigo e falo de coisas banais. Claro que não podes adivinhar que quando falo de coisas banais é porque quero dizer outra coisa qualquer mas não sei ou não consigo expressar.

Tu não sabes, e eu também não, porque gosto tanto do jeito que tu me olhas.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

E se um desconhecido de repente a irrita?

O carro trava mesmo a tempo de não o atropelar. Teve ali a oportunidade de o assustar ou aleijar um bocadinho, mas não teve tempo para pensar fosse no que fosse. Quando deu pela situação já era tarde. Vinha tão distraída a chorar depois de uma discussão em casa que nem se apercebeu dele a atravessar a estrada. E ali está ele todo empinado, jornal debaixo do braço e a caminhar tão lentamente como se estivesse numa passerelle. Que irritante! Efectivamente merecia um safanão naquelas perninhas para aprender, pensa ela enquanto tenta acalmar-se. Faz a curva sem olhar para ele e com a ajuda dos óculos escuros deixa passar a ideia de que nem o reconheceu.

Conduz devagar pela avenida ao mesmo tempo que tenta regularizar a respiração. O coração também não está muito bem e parece querer saltar do peito. Não sabe se esta sensação que a assoma vem da situação de quase ter atropelado alguém ou do facto de ter sido ele o quase atropelado. Mas que chatice, pensa ela, e que raio de sorte a minha logo de manhã!

Estaciona o carro em frente ao bar onde já é habitual parar. Está quase vazio o que já é um bom prenúncio. Conhece ali toda a gente e de momento não está com muita vontade de fazer conversa da treta. Só quer tomar um bom cafezinho, ler os jornais locais em paz e trocar umas ideias sobre futebol com o dono do bar.

Enquanto toma o café e fuma o primeiro cigarro do dia não consegue deixar de pensar nele. Já tentou pegar nos jornais mas as letras ficam logo desfocadas porque está com a cabeça noutro sítio. Aquele homem é uma pedra no sapato e consegue irritá-la como mais ninguém é capaz de o fazer.

O coração continua a bater acelerado, mas isso já começa a ser um episódio normal. De cada vez que o encontra em algum lugar é capaz de ficar assim durante eternidades. Ele perturba-a mas não quer admitir que isso pode ser mais que uma simples implicância. Não é fácil admitir sentimentos que não quer sentir por um desconhecido quase conhecido. Falar com alguém sobre o assunto é ainda mais difícil, então guarda tudo algures dentro de si sem nunca achar uma saída para a dúvida. Para quê chatear os outros com um problema que não pode ser considerado um problema, pensa ela enquanto dá mais um gole no café já frio, e para que falar de algo que não tem propósito nem direcção? Vão pensar que está doida varrida e não devem estar muito longe da verdade pois também começa a pensar que foi desta que deu o “peido mestre”.

Na realidade já não sabe bem como tudo começou. Uma brincadeira no início, para tentar esquecer uma relação meio estranha e meio sem razão de ser. Pelo meio metem-se umas mensagens em jeito meio de galhofa e meio sérias e um telefonema meio esquisito e meio sem nexo. Uns olhares aqui e ali e sempre que possível. A toda a hora e todo o instante um destino mais que cruel no jogo do cruza e descruza de dois fados pouco predestinados a se fadarem. No começo não sabia mas eis que estavam reunidos os ingredientes para mais uma grande calamidade emocional. Mas para quê contrariar o destino se tem, tal como já vaticinado pela mãe, o olho virado para a remela, o pé para o chinelo e uma capacidade inata para relações não permitidas.

Hoje vai ser o princípio do fim, decide ela enquanto desfolha o jornal, este disparate tem que acabar! Mas mal vira a folha lá está uma fotografia de alguém tão parecido que até chateia. Como é possível, grita ela em silêncio, como é possível? Atira o jornal para cima da mesa e levanta-se de um pulo.

Sai do café irritada mas decidida a acabar com um dos maiores disparates da sua vida. Ela sabe que a solidão e capaz de pregar muitas partidas, tal como o destino, mas também ainda não perdeu a noção da realidade e sabe que chegou o momento de viver no mundo real e dizer basta. Basta, diz ela em voz alta enquanto caminha junto a praia, acorda para a vida miúda!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Noites de lua cheia (3)

- Onde estás? – diz ele com aquela voz arrastada mas sem perder o timbre forte que sempre fez entrar o seu coração em estado critico.
- Estou em casa.
Tem tanta coisa entalada na garganta para lhe dizer mas responde lacónica à pergunta e finge não reparar na voz que conhece tão bem.
- Já olhaste para a lua?
- Não.
Mente descaradamente, mas não quer dar-lhe o prazer de dizer que também ela está a olhar aquela imensa lua cheia, pensando nele.
- Acordei-te?
- Sim. – mente ela mais uma vez.
- Desculpa mas tens que ver a lua que está lá fora. Lembrei-me logo de ti, de nós, das noites em que subíamos a serra e ficávamos a ver a lua.
Ela sabe que não vai conseguir fugir da verdade até ao final daquela conversa. Nunca conseguiu esquece-lo e muito menos enganá-lo. A voz vai acabar por traí-la.
- Hum…
- Estavas mesmo a dormir? – profere ele ao mesmo tempo que ri suavemente.
- Claro! Não se nota pela minha voz? – diz ela com uma ponta de arrogância fingida.
O silêncio do outro lado da linha deixa-a ansiosa. Um misto de alívio e terror fazem-na entrar em pânico. Ao mesmo tempo que quer acabar com aquela conversa também não quer deixar de ouvir a sua voz.
- Nem por isso. Mas é bom saber que continuas com esse mau feitio. Tenho saudades tuas.
Sente subir um calor pelo corpo. Já não consegue controlar mais as palavras que tem vindo a reprimir. É mais forte do que ela e sabe que vai arrepender-se logo a seguir.
- Saudades? Deixa-me rir. Deves estar com febre ou então mais ninguém respondeu aos teus telefonemas a estas horas tardias. Adivinhei?
Novamente o silêncio aterrador do outro lado. Consegue imaginá-lo a morder o lábio inferior e a cerrar os olhos em jeito de fúria controlada.
- Não. Não adivinhaste.
- De certeza?
- Pára com isso. Vamos acabar com esta guerra. Explica-me porque não me ouves. Tu não podes fugir eternamente de mim.
A voz dele parece sincera, mas ela não pode cair agora. Não numa noite de lua cheia. Ele sabe que ela fica frágil e rendida ao poder dessa lua. Desta vez não vai entregar-se. Acabou.
- Eu nunca fugi de ti. Simplesmente não sinto mais nada por ti. – volta a mentir.
- Não acredito. Os teus olhos continuam a dizer-me que ainda estás apaixonada por mim.
- Não podes ver os meus olhos agora.
- Posso sim. Estou a ver-te neste momento.
Confusa olha da janela em todas as direcções. A lua ilumina a rua e consegue vê-lo do outro lado do passeio. Ali está ele desde o início e ela nem deu por nada. Nem viu o carro ali mesmo em frente. Aquele carro que tantas vezes procura na rua de cada vez que sai de casa, mas que nunca admite a ninguém nem a si mesma. Sente-se furiosa e traída. Desliga o telemóvel mas não consegue sair da janela. Uma força estranha não a deixa sair do lugar. É aquela maldita lua que a transtorna.
Ele não se move do local e coloca o telemóvel no bolso do blusão. Ela consegue distinguir na cara dele aquele sorriso que é capaz de a levar a lua e voltar a terra num segundo. Ao mesmo tempo que lhe apetece correr para os braços dele apetece-lhe dizer qualquer frase terrível que não sente e tirar-lhe aquele sorriso trocista. Sai finalmente da janela.
Olha para o telemóvel e não sabe se prefere que ele toque ou que não toque mais. Se tocar sabe que não vai resistir e vai atender. Se não tocar vai ficar desfeita. Espreita por uma fresta da janela e ele já não está no local. O telemóvel toca.
- Sim?
- Sou eu. Desculpa. Eu não quis brincar contigo. Eu sei que nunca faço nada da forma mais correcta, mas ao menos vem dizer-me isso na cara. Estou à tua espera no carro.
- Não!
- Vem. Não me obrigues a tocar as campainhas todas do teu prédio até que abras a porta…
Ouve a respiração dele. O coração bate tanto que ela tem medo que ele ouça do outro lado da linha. Sabe que ele não é capaz de fazer o que prometeu mas a ideia fá-la sorrir.
- Não. Não vou descer. Faz como quiseres.
Desliga. Desata a rir só de imaginar as campainhas todas a tocar a altas horas da noite. Mas ele não tem coragem para tanto. Vai para a janela a tempo de o ver sair do carro. A lua cheia ilumina a sua figura. Vem com aquele ar empinado e sério, a balancear o corpo com as mãos nos bolsos das calças. Começa a temer que ele cumpra a promessa mas não quer acreditar. Ele nem olha para a janela e já está perigosamente perto das escadas que dão acesso ao prédio. Rapidamente abre a janela.
- Não. Não faças isso. Eu desço!
- Só te dou um minuto…a contar a partir de…já…
Corre para a porta e tenta convencer-se de que é por medo de que ele toque as campainhas, mas ela sabe que não. A lua cheia e ele juntos são a combinação mais perigosa que conhece e a única para a qual ainda não descobriu qualquer antídoto.

Noites de lua cheia (2)

É nas noites de lua cheia que me sinto pior. Na maior parte das vezes sinto-me invadir por uma sensação estranha que me deixa um gosto amargo na boca e um nó na garganta. Apetece-me gritar ao mesmo tempo que o meu estômago anda as voltas com o jantar e os restos das anteriores refeições.

Mas nem sempre e assim. Lembro-me de noites de lua cheia magnificas. Um fio de mar da cor da prata, a brisa quente, o silêncio da madrugada e eu repleta da sua luz e de esperança e de paixão.

Eu transformo-me nas noites de lua cheia. Fico diferente, abalada. Não sei o que me dá que perco o sono e algo me atrai para as janelas, para as varandas, para qualquer local de onde possa ver essa imensa e redonda lua. Sou capaz de ficar horas a olhá-la, a aguardar qualquer coisa, a meditar, ate regelar, no Inverno, ate ficar dormente, no verão.
Não preciso de pesquisar o calendário para saber que ela se aproxima. Eu sinto. Sinto-me encher tal como a lua. Sinto a crescer em mim um grito que vem das entranhas mas que nunca exauro para o exterior.

Depois ela chega e eu fico nua, despojada de mim, sem jamais compreender o que esta lua grávida de luz provoca em mim.

Noites de lua cheia (1)

Vai, vai segredar-lhe ao ouvido que eu estou à espera dele. Diz-lhe que não durmo de tanta solidão. Leva as minhas lágrimas e entrega-lhe em mãos cada uma. Depois regressa e vem dizer-me quem é ele e onde está que não ouve o meu coração.

Diz-lhe também que vou morrendo aos poucos, cada dia, porque é deserto a minha vida. Neste deserto já não nasce o sol, não florescem flores, os animais já não saem das suas tocas, as dunas não mudam de lugar, o vento já não sopra, a chuva não cai, só existe o frio do meu corpo que espera o calor do seu.

Não te esqueças de olhar para mim antes de partir. Leva na tua memória cada pedaço meu para que possas descrever-me, para que ele possa encontrar-me nos seus sonhos, nos seus olhos, no seu coração. Conta-lhe as minhas histórias, conta-lhe as minhas vitórias e as minhas derrotas, as minhas alegrias e as minhas tristezas, conta-lhe que já estou farta de perder e que agora é a minha vez de ganhar.

Quando voltares vem com cuidado para não perderes pelo caminho cada bocadinho dele. Quero guardá-los, colá-los com cuidado como um puzzle, para no fim encontrar o seu todo. Traz os seus desejos, os seus medos, os seus risos, as suas mágoas, os seus segredos, o seu passado, a sua vida. Não descuides cada pormenor porque eu aspiro poder tocá-lo na tua luz.

A ti confesso, nesta noite gelada e infinita, o que não confesso a mais ninguém, porque também tu conheces a dor da solidão e da espera. Tu que todas as noites esperas a manhã e o teu grande amor, mas eternamente desvaneces logo que ele desperta. Mas tu sabes que um dia se encontram, nem que por breves segundos, e guardas em ti essas bruscas memórias até ao próximo e longínquo encontro. Sabes também que ele te espera dessa mesma forma desmesurada que o esperas. Eu não sei.

Vou ficar toda a noite à espera que voltes com a resposta, lua que me guardas nesta noite sem sono, nesta noite que nunca mais acaba.