segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O chão que eu escolhi

As lágrimas encobertas pela água do banho. A água a ferver que escalda o corpo. E não sei se são as lágrimas ou a água que escorre que queimam a pele. Ou se queimam a pele ou o meu corpo por dentro. Já não sei nada ou então não quero saber. As mãos não se movimentam e deixo as águas caírem sobre mim como um dilúvio que não se anunciou. Agora quero chorar, quero chorar tudo a que tenho direito, quero chorar para não chorar mais. Quero esgotar-me das águas que tenho em mim para que esteja seca quando talvez chegares.

Vais talvez chegar quando estiver seca, esgotada, aliviada. Vais talvez chegar e eu tenho que aprender a partir. Tu que és o chão debaixo dos meus pés, que és o meu porto de abrigo, que és o fio que me liga à terra, tu que nunca chegas nem partes. Simplesmente tu que não sabes chegar e partir ou partir e chegar. Eu não sei partir porque aprendi só a chegar. Aprendi a assentar os meus pés no teu chão. Mas o teu chão está carregado de tremores de terra, de brechas prontas a engolir-me. E eu vou equilibrando-me no meio dos sismos, dos abalos do teu chão. O chão que eu escolhi. Procurei-te uma meia vida e outra meia vida tenho para não te procurar mais. Tu tens a vida inteira. Tens uma vida inteira para procurar o teu chão.

Quando tiveres dúvidas pergunta a ti mesmo: Quem vês quando queres desabafar? Quem vês quando queres dizer o maior disparate. Quem vês quando te sentes só? Quem vês quando queres partilhar os teus sucessos e as tuas derrotas? Quem vês quando imaginas mil projectos? Quem vês quando vestes uma roupa nova? Quem vês quando precisas de um abraço? Quem vês quando queres chorar ou sorrir? Quem vês quando ouves aquela música? Quem vês quando olhas o antes, o aqui e o depois? Quem vês quando estás farto de tudo e de ti? Quem vês quando abandonas o teu ego? Quem vês é o teu chão.

Agora tenho que aprender a ir embora em silêncio para que sintas saudades do ruído que fui nas palavras ditas a qualquer hora, para que sintas saudades do chão seguro onde assentaste os teus pés, para que sintas saudades do porto de abrigo dos meus braços, para que sintas saudades do fio que te ligou a esta terra…o meu corpo, a minha alma, quem sou.

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