quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Noites de lua cheia (3)

- Onde estás? – diz ele com aquela voz arrastada mas sem perder o timbre forte que sempre fez entrar o seu coração em estado critico.
- Estou em casa.
Tem tanta coisa entalada na garganta para lhe dizer mas responde lacónica à pergunta e finge não reparar na voz que conhece tão bem.
- Já olhaste para a lua?
- Não.
Mente descaradamente, mas não quer dar-lhe o prazer de dizer que também ela está a olhar aquela imensa lua cheia, pensando nele.
- Acordei-te?
- Sim. – mente ela mais uma vez.
- Desculpa mas tens que ver a lua que está lá fora. Lembrei-me logo de ti, de nós, das noites em que subíamos a serra e ficávamos a ver a lua.
Ela sabe que não vai conseguir fugir da verdade até ao final daquela conversa. Nunca conseguiu esquece-lo e muito menos enganá-lo. A voz vai acabar por traí-la.
- Hum…
- Estavas mesmo a dormir? – profere ele ao mesmo tempo que ri suavemente.
- Claro! Não se nota pela minha voz? – diz ela com uma ponta de arrogância fingida.
O silêncio do outro lado da linha deixa-a ansiosa. Um misto de alívio e terror fazem-na entrar em pânico. Ao mesmo tempo que quer acabar com aquela conversa também não quer deixar de ouvir a sua voz.
- Nem por isso. Mas é bom saber que continuas com esse mau feitio. Tenho saudades tuas.
Sente subir um calor pelo corpo. Já não consegue controlar mais as palavras que tem vindo a reprimir. É mais forte do que ela e sabe que vai arrepender-se logo a seguir.
- Saudades? Deixa-me rir. Deves estar com febre ou então mais ninguém respondeu aos teus telefonemas a estas horas tardias. Adivinhei?
Novamente o silêncio aterrador do outro lado. Consegue imaginá-lo a morder o lábio inferior e a cerrar os olhos em jeito de fúria controlada.
- Não. Não adivinhaste.
- De certeza?
- Pára com isso. Vamos acabar com esta guerra. Explica-me porque não me ouves. Tu não podes fugir eternamente de mim.
A voz dele parece sincera, mas ela não pode cair agora. Não numa noite de lua cheia. Ele sabe que ela fica frágil e rendida ao poder dessa lua. Desta vez não vai entregar-se. Acabou.
- Eu nunca fugi de ti. Simplesmente não sinto mais nada por ti. – volta a mentir.
- Não acredito. Os teus olhos continuam a dizer-me que ainda estás apaixonada por mim.
- Não podes ver os meus olhos agora.
- Posso sim. Estou a ver-te neste momento.
Confusa olha da janela em todas as direcções. A lua ilumina a rua e consegue vê-lo do outro lado do passeio. Ali está ele desde o início e ela nem deu por nada. Nem viu o carro ali mesmo em frente. Aquele carro que tantas vezes procura na rua de cada vez que sai de casa, mas que nunca admite a ninguém nem a si mesma. Sente-se furiosa e traída. Desliga o telemóvel mas não consegue sair da janela. Uma força estranha não a deixa sair do lugar. É aquela maldita lua que a transtorna.
Ele não se move do local e coloca o telemóvel no bolso do blusão. Ela consegue distinguir na cara dele aquele sorriso que é capaz de a levar a lua e voltar a terra num segundo. Ao mesmo tempo que lhe apetece correr para os braços dele apetece-lhe dizer qualquer frase terrível que não sente e tirar-lhe aquele sorriso trocista. Sai finalmente da janela.
Olha para o telemóvel e não sabe se prefere que ele toque ou que não toque mais. Se tocar sabe que não vai resistir e vai atender. Se não tocar vai ficar desfeita. Espreita por uma fresta da janela e ele já não está no local. O telemóvel toca.
- Sim?
- Sou eu. Desculpa. Eu não quis brincar contigo. Eu sei que nunca faço nada da forma mais correcta, mas ao menos vem dizer-me isso na cara. Estou à tua espera no carro.
- Não!
- Vem. Não me obrigues a tocar as campainhas todas do teu prédio até que abras a porta…
Ouve a respiração dele. O coração bate tanto que ela tem medo que ele ouça do outro lado da linha. Sabe que ele não é capaz de fazer o que prometeu mas a ideia fá-la sorrir.
- Não. Não vou descer. Faz como quiseres.
Desliga. Desata a rir só de imaginar as campainhas todas a tocar a altas horas da noite. Mas ele não tem coragem para tanto. Vai para a janela a tempo de o ver sair do carro. A lua cheia ilumina a sua figura. Vem com aquele ar empinado e sério, a balancear o corpo com as mãos nos bolsos das calças. Começa a temer que ele cumpra a promessa mas não quer acreditar. Ele nem olha para a janela e já está perigosamente perto das escadas que dão acesso ao prédio. Rapidamente abre a janela.
- Não. Não faças isso. Eu desço!
- Só te dou um minuto…a contar a partir de…já…
Corre para a porta e tenta convencer-se de que é por medo de que ele toque as campainhas, mas ela sabe que não. A lua cheia e ele juntos são a combinação mais perigosa que conhece e a única para a qual ainda não descobriu qualquer antídoto.

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