domingo, 13 de dezembro de 2009

Palavras ao mar

Descalça pela praia. O cão corre livre. A brisa da manha traz recordações de outros princípios de verão. A maré vazia descobre todos os rochedos. Pequenas poças entre as rochas convidam a molhar os pés.

A praia quase deserta. Na areia desenhos e frases fazem-na sorrir. O amor tem destas coisas. Quem poderá ter escrito tantos metros de palavras carregadas de emoção? Palavras que o mar vai acabar por apagar, arrastar, esquecer. Palavras que o mar vai lamber sem compaixão, sem remorsos, sem destino. Talvez alguém a quem a paixão ainda cabe nas palavras.

O cão de vez em quando pára e espera por ela que caminha devagar brincando com a areia com os seus pés descalços. Poderia desenhar na areia tantas palavras mas nelas já não cabem os seus sentimentos e pensamentos.

Arregaça as calças e dirige-se ao mar tranquilo. Saltita em primeiro nas rochas ate escolher uma bem lisa, senta-se e deixa deslizar os pés até uma poça. Estremece no contacto com a água fria. Acaba por deitar-se de costas, sempre com os pés na água, e deixa o sol acariciar-lhe a face. O cão vem para junto dela e estende-se do seu lado.

Ali está em paz. Mas as palavras travam uma batalha dentro de si. Querem sair de qualquer forma. Querem espalhar-se pela areia e deixarem-se levar na brisa. Querem ser tocadas pelo sol intenso e devoradas pelo mar. Querem adquirir corpo e fugir por aí.

Acaba por se levantar e espreguiça-se com vontade. Sente desejo de gritar mas não consegue. Salta das rochas para a areia e desata a correr. O cão desenha curvas e contra curvas de felicidade na areia molhada enquanto a acompanha. Tenta agarrá-lo e acabam por cair os dois. Soltam-se gargalhadas e latidos. Por entre os risos e a areia as palavras bailam na garganta e nos dedos.

Levanta-se de novo e caminha. Alguns metros à frente volta a parar e encosta-se na superfície lisa e quente de uma rocha. Fecha os olhos enquanto acaricia o pêlo quente do cão. Deixa-se abraçar pelo som suave do mar, pelos gritos das gaivotas, pelo sol escaldante e pensa que não poderia desejar mais do que aquilo. Mas deseja.

As palavras acumulam-se. Querem voltar a ser o recipiente dos seus sentimentos, querem voltar a ter significados, querem viver nem que seja por um acanhado momento, ali mesmo na areia até que o mar as apague. As palavras não suportam o seu desprezo, logo elas que sempre foram as suas melhores amigas. E deslizam até às suas mãos como água do rio que sempre desagua no mar.

Os dedos tremem ao tocar na areia húmida. E começa a escrever as palavras retidas há tanto tempo. Flúem suavemente como se nunca as tivesse negado, retido, amordaçado. Palavras que nunca lhe dirá. Palavras a que vai virar as costas sem olhar para trás. Palavras ao mar.

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