domingo, 29 de novembro de 2009

Quem acredita no destino?

Debaixo da mesma lua e das mesmas estrelas mas tão longe de se encontrarem. Talvez sejam almas gémeas mas não sabem. Enquanto ela bebe um copo no bar habitual ele conduz sem direcção certa pela cidade. Por um mero acaso, ou porque o destino é muito desordenado, ouvem a mesma música. Ela ouve a música e fica triste. Ele ouve a música e sorri. Ela espera que ele entre no bar naquele exacto momento. Ele espera que ela passe de carro naquele exacto momento.

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Debaixo do mesmo céu mas tão longe de se encontrarem. No bar entra um casal de meia-idade. Na avenida passa um autocarro. Ela sorri. Ele fica triste. Acaba a musica. Enquanto ela sai do bar e entra no carro ele sai do carro e entra no bar. Talvez sejam mesmo almas gémeas mas não se cruzaram.

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Debaixo da mesma noite mas tão longe de se encontrarem. O mesmo destino desordenado faz tocar os telefones ao mesmo tempo. Ela olha mas não quer atender. Ele olha e quase atende. Ela fica triste. Ele sorri.

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É manhã. O sol entra pelas vidraças do quarto. Ainda deve ser cedo pois o despertador ainda não tocou. Ela olha para o relógio e levanta-se de um pulo. Desliga o despertador que já deveria ter tocado a meia hora. Deve ter dormido umas duas horas. Não foi uma boa noite pois acordou triste. Leu um livro inteiro mas não consegue lembrar-se da história. Lembra-se sim de fragmentos de um sonho muito perturbador. Tenta juntar bocadinhos desse sonho mas parece que as imagens fogem de cada vez que faz um esforço para visualizar. Um bar, um casal de meia-idade, aquela música. Não consegue achar um fio condutor nos pedaços do seu sonho.

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A pastelaria está cheia como já é habitual. O barulho não costuma ser um incómodo mas hoje apetece-lhe calar aquelas pessoas todas. Não presta atenção à conversa que flúi na mesa. Enquanto sopra para arrefecer o leite com café vai tentando lembrar-se do sonho que teve durante a noite. Acordou atarantado e a sorrir. Lembra-se de algumas coisas. Um autocarro, um telefone, aquela música. Agora é difícil juntar as imagens que lhe pareceram tão nítidas logo que acordou.

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Fecha a porta do carro e verifica se tem tudo o que precisa consigo. Já é hábito esquecer-se de alguma coisa importante. Está tudo em ordem. Olha para o relógio e verifica que já está um bocadinho atrasada mas ainda vai ter que tomar qualquer coisa na pastelaria. Para não variar esqueceu-se de ir as compras e não tinha grande coisa em casa. Enquanto estaciona o carro em segunda fila olha para dentro da pastelaria. Está a rebentar pelas costuras mas com um bocado de sorte vai conseguir mesa ou encontrar alguém conhecido com quem se sentar a conversar um bocadinho.

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Só lhe faltava mesmo isto. Um carro em segunda fila a tapar-lhe a passagem. Detesta ter que buzinar mas não tem outra hipótese. Aposta que deve ser mulher e, com um bocado de azar, surda. Realmente o dia já está a começar mal, a sorte é que acordou a sorrir, o que pode ser uma atenuante para o mau humor que sente crescer dentro de si. Com tanto carro ali estacionado tinha que ser o seu o feliz contemplado.

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Logo agora que já tem o café e a torrada na mesa é que tinham que começar a buzinar. Aposta que deve ser homem e dos nervosos pois não para de tocar a buzina do carro. Só lhe apetece fazer-se de surda e deixá-lo agarrado a irritante buzina. Acende um cigarro, pega nas chaves e dirige-se para a porta enquanto vai resmungando mentalmente.

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Assim que a vê sair disparada da porta da pastelaria fica perturbado e percebe que é ela. As imagens tornam-se mais nítidas. O autocarro que passa em vez de um carro, o telefone que toca e ele quase atende, a música que o fez sorrir.

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Sente o coração a palpitar mal o vê dentro do carro ainda com a mão na buzina e especado a olhar para ela. Agora consegue achar um fio condutor. O bar onde toma um copo, o casal que entra em vez dele, a música que a deixou triste.

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Debaixo do mesmo sol, tão perto de cruzarem as suas vidas mas tão longe de se encontrarem. Talvez sejam almas gémeas mas não sabem. Enquanto ela retira o carro e para alguns metros à frente ele sai do estacionamento. Por um mero acaso, ou porque o destino é muito desordenado, ouvem a mesma música no rádio dos seus carros. Ela ouve a música e sorri. Ele ouve a música e sorri.

sábado, 28 de novembro de 2009

A noite

Desisto. Desisto e pronto. Não é dos desistentes que reza a história, ma também nunca quis fazer parte dela. Estou decidida e desisto mesmo. Fartei-me de tentar. Fartei-me de tentar ser como as outras pessoas e ter uma vida normal. Na verdade eu nunca fui normal e muito menos me regi pelas regras consideradas normais pela maior parte das pessoas.

Sou diferente, eu sei que sim. Se isso é bom ou mau não sei muito bem. Tenho dias em que desejo ser normal e ser feliz com a mais ordinária das vidas, mas não sou assim tão linear. Afastei-me sempre a tempo de cair numa vida banal. Mas tenho dias que invejo os que são felizes nas suas vidinhas vulgares, nas suas vidinhas tão bem aceites pela sociedade.

Olho-me ao espelho e já não sei o que vejo ou quem vejo. Gostava de ver uma pessoa interessante e determinada, mas não consigo. Já não consigo. Tenho medo de um dia olhar para o espelho e ver que me tornei numa pessoa cáustica, sem ideais, sem sonhos. Perdi a capacidade de amar e de ser amada. Perdi a capacidade de me amar. Perdi a capacidade de acreditar que sou capaz de mover montanhas. Perdi-me simplesmente.

Tenho dias em que penso que tudo vai mudar, que vou conseguir chegar a algum lado, mas fico sempre a um passo de qualquer coisa. Depois sinto a dor da perca de algo que não sei bem o que era, mas devia ser qualquer coisa.

De repente sinto-me perdida e sem uma causa porque lutar. De repente sinto-me sozinha. De repente não sou assim tão forte. De repente percebo que tenho medo. Tenho medo de falhar, de ouvir eternos nãos, medo de não conseguir, medo até do próprio medo.

Há noites assim, em que não conseguimos dormir e de repente estamos mais lúcidos, como se algo despoletasse no nosso cérebro. Nunca há manhãs assim, porque de manha não conseguimos parar para reflectir. A manhã é sempre um começo ou um recomeço. Mas a noite pode ser muito longa para quem não consegue adormecer e o tempo corre devagar e os pensamentos são velozes. Não sonho durante a noite mas medito e chego a conclusões e vejo tudo mais real.

Não vale a pena tentarem demover-me agora que sei que quero desistir. Nada pode fazer-me desistir de desistir. Desisto, não sei bem de que, mas desisto.

No fundo desisto de quê? Talvez de mim.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

...pensamento do dia...


- O que queres para o Natal?
- Quero o que não posso querer...

A azia do amor

Não. Ela jura que não. Jura que nunca tinha pensado nele dessa forma. Era mais a tesão do mijo, nada de especial. Achava-o engraçado e, sim, ela admite, interessante, mas mais nada. E eu acredito. Tenho que acreditar nas palavras de uma amiga. Embora eu tenha muitas dúvidas sobre muita coisa, mas sobre isto não tive. Ela realmente estava apaixonada na altura em que se conheceram e não era por ele. Mas realmente foi bom conhece-lo. Sim, ela também admite isso agora. Eu já estava farta de a ver sofrer por uma causa sem solução. Continua a sofrer, mas agora é diferente. Ela pensa demasiado. Ela tem ciúmes da própria sombra. Ela realiza filmes que não existem. Mas sou eu diferente? Nem por isso. Eu adoro fazer filmes complicados das coisas mais simples. Mas isso sou eu.

Nós rimos muito quando pensamos na nossa vida. Eu gosto de rir e ela brilha quando sorri. Gosto de a fazer rir, nem que seja para acabar com as infinitas azias que a atacam pelo menos vinte uma vezes por dia. Por semana já perdi a conta. Talvez eu pudesse apontar num caderninho as azias dela e à frente de cada uma a razão da mesma. Daqui a uns anos deveria ser engraçado desfolhar os cadernos e mais cadernos. Ou então talvez não fosse assim tão engraçado.

Ela gosta mesmo dele e diz que não sabe como isto aconteceu. Eu cá por mim tenho uma teoria. Ele dá-lhe carinho, atenção, amor, enfim tudo aquilo que alguns seres humanos não encontram uma vida inteira. Mas ela é ríspida de vez em quando porque não gosta de dar o braço a torcer. Então é ele que fica com a azia e não dá o braço a torcer. No fim são eles que me deixam com azia, com tantas azias à solta. Eu compreendo-a, mas também o compreendo a ele, só não me compreendo a mim, mas isso é outra história.

É o signo, diz ela, é do signo. São os dois do mesmo signo. Eu até acredito que sim. Quem sou eu para refutar tal fundamento? Eu ate leio o meu signo todos os dias nos jornais, enquanto tomo o meu café depois do almoço. Não me ajuda em grande coisa, mas sempre dá para comparar a vida realmente como ela é. Se eu fosse pelo meu signo andava em altas e repleta de noites tórridas, mas na verdade está um frio do caraças e acabo sempre a dormir abraçada a minha almofada de serviço.

Achas que só falo dele, pergunta-me ela de vez em quando. Eu até acho que sim, mas eu também sou um bocadinho obsessiva com certos assuntos, por isso sou capaz de compreender que quando estamos apaixonados não conseguimos falar de outra coisa e se falamos de outra coisa acabamos por chegar facilmente ao mesmo assunto. Tudo faz lembrar. Se não é um carro igual que passa, pode ser mesmo uma camisola como a dele, ou uma notícia no jornal, ou uma frase que ele repita muita vez. Não interessa se estamos a falar de política, de futebol ou da tosquia do cão, na verdade temos uma facilidade única de chegar sempre ao assunto.

Viste, desta vez não fui eu, não sou eu a culpada, diz ela pela milésima vez. Ele estava a olhar para ela, eu vi. Eu também vi, mas não me pareceu coisa de grande importância. Eu também olho para quem entra e sai. Mas não vale a pena dizer que não. Ela vai levar a dela a avante e logo à noite já não é nada. O ciúme deixa-nos cegos para a maior parte das coisas importantes e abre-nos os olhos para as coisas mais ridículas que se podem pensar. O ciúme é uma coisa muito complexa. Se não sentimos ciúme pensam logo que não gostamos, que somos um bloco de gelo, que não estamos para aí virados. Mas se sentimos ciúme é o fim do mundo, porque não temos confiança, porque queremos prender a outra pessoa, porque somos ridículos. Qual será a quantidade de ciúme perfeita? Ainda estou para descobrir e acho que o mundo também. Hoje é ela que está com a azia e amanha aposto que vai ser ele. Aposto que vou ouvir uma coisa do género, imagina lá porque é que ele não me atendeu o telefone? E eu imagino calada até que ela conte tudo. Ora, pode ser porque ela não lhe mostrou uma mensagem qualquer, que de certeza era minha. Pode ser porque ela saiu à noite, e de certeza foi comigo. Pode ser pelas coisas mais parvas, mas eu imagino à mesma.

Na verdade quem é que nunca sentiu uma azia? Aquela azia que sobe pelo corpo, que ataca o sistema nervoso e nos deixa estupidificados de um momento para o outro. Aquela azia que surge a cada discussão, a cada percalço de uma relação amorosa. Aquela azia que desperta, até numa paixão que não queremos admitir. Aquela azia a que eu dou o nome de azia do amor.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Sozinha

Gosto da noite. Gosto de estar sozinha à noite. Gosto essencialmente de estar aqui fora, sozinha a observar e a ouvir a noite.

Não gosto da noite silenciosa. Gosto de ouvir os barulhos, o movimento. Não gosto da noite apagada. Gosto de ver as luzes das janelas, dos candeeiros da rua, dos faróis dos carros. Imagino o que se passa por trás de cada janela, de cada varanda, de cada casa. Imagino as alegrias, as tristezas, as discussões, as reconciliações, a solidão, o convívio, as conversas, os silêncios. Imagino uma história diferente para cada janela iluminada, para cada varanda onde descem as persianas, para cada casa deste pedaço de cidade que sossega na noite.

Adivinho os passos e o movimento nas casas alheias. Mantenho-me imóvel e atenta e ouço os barulhos que me são tão familiares. Ali ouço o cão a ladrar, talvez de felicidade com a chegada da dona. Mais perto uma televisão ligada numa novela qualquer pode estar a reunir uma família em volta de si. Aqui ao lado ouço as vozes dos miúdos que protestam provavelmente a hora de deitar. Por cima o eterno tiquetique dos saltos altos de uma mulher que se prepara para uma noite especial. Em frente o inter cortado do sistema de rega do pequeno relvado que não merece tanto cuidado. Lá longe o motor de um carro velho numa manobra difícil quiçá para entrar numa garagem mal idealizada.

Este meu lado mais voyer deveria preocupar-me. Estou a deixar a minha vida própria para trás. Estou a viver a vida dos outros, estou a esquecer-me de mim. Talvez seja medo de voltar a viver a minha vida e fracassar mais uma vez. E mais fácil viver a vida dos outros, dos que desconhecemos, porque nada nos atinge realmente. Rimos e choramos as alegrias e as dores que não são nossas e não deixa cicatrizes. É como sonhar acordada. Somos o guionista, o realizador, o actor e o espectador da nossa própria vida. Podemos ser quem quisermos e nada nos pode deter quando sonhamos acordados. Vamos por ai fora e quando damos por ela somos heróis, magnatas, bonitos, famosos, desejados, interessantes, únicos, tudo aquilo que às vezes a vida real nos nega.

Mas por vezes sinto-me sozinha. Admito que me sinto sozinha. Não vale a pena fingir que gosto da solidão todos os dias. Há dias que gostava que alguém estivesse aqui comigo a observar e a ouvir a noite. Alguém que observasse e ouvisse a noite em silêncio, do meu lado, porque às vezes não são precisas palavras, porque às vezes o silêncio também e palavra.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Coração destorcido

O coração bate descompassado e parece querer saltar do peito. As mãos tremem desordenadas e os olhos principiam a ficar muito, muito pequeninos. O estômago já esta às voltas e a cabeça a milhas.

Ela pressente o desastre iminente. Já não há hipótese de fuga. Agora vai aguentar até ao fim, nem que doa, nem que a vaca tussa. Sempre foi uma mulher forte e não é agora que vai vacilar. Se tiver que esbarrar de frente assim seja e se tiver que sucumbir que seja do coração.

Será que algum dia vai ser capaz de viver a vida sem complicações, imprevistos e embrulhadas? Talvez não. Qual era a piada de uma vida previsível e sem mixórdias? Bom, pelo menos deixava de ter problemas coronários e afins.

Enquanto se questiona engasga-se a beber a água com gás. Sim, era só o que faltava, morrer sufocada com água. Era realmente uma morte muito pouco digna, mas com a sua piada. É a única pessoa que conhece capaz de se engasgar até com o ar.

Não. As coisas não estão fáceis, mas é preciso manter a calma. Respira fundo e consegue deixar de tossir. O que não consegue é estabilizar aquele coração anárquico. Bate, bate, bate e não para de bater sem governo possível. Não vai ser simples voltar a bater com as normais pulsações de passarinho.

Tem que se distrair com alguma coisa. O primeiro passo é deixar de olhar para lá. O passo seguinte é colocar um ar muito descontraído. Depois não seria muito mal pegar no jornal e pelo menos tentar ler alguma coisa. O que era mesmo bom era que chegasse alguém conhecido com quem discutir qualquer assunto, nem que fosse física quântica ou a dificuldade dos bordados de bilros. Se nada disto resultar e se não aparecer ninguém, talvez o melhor fosse desaparecer já dali.

Desaparecer era uma boa solução se as pernas deixassem de tremer como uma gelatina e obedecessem ao cérebro. O problema está na falta de coordenação que ela sabe que lhe surge nos momentos de pânico. Fugir dali a arrastar uma perna ou a sapatear não é o mais indicado. O mais provável era cair de uma forma aparatosa e sem qualquer respeitabilidade possível.

Coloca a mão no pescoço para sentir a pulsação. Continua numa velocidade vertiginosa e quem sabe quando vai parar de bater assim aquele coração. Com tanto pum pum pum começa a temer que alguém ouça os batimentos. Olha à volta mas parece estar tudo normal. Ninguém ainda reparou na agitação. Começa a balançar o pé sem cessar. Um tique horroroso que nunca conseguiu combater ao longo dos anos. É um tique quase tão mau como o de por a língua de fora, bem apertada pelos lábios, de cada vez que estÁ concentrada a fazer qualquer coisa.

De repente desata a acenar, num gesto exagerado de quem está a afogar-se mas ainda tem tempo para pedir socorro. Ela sai do carro e dirige-se para junto dela. Senta-se.
- Já viste quem está na mesa do lado?
- O que te parece? Achas que estou aqui paralisada porquê? Porra, demoraste uma eternidade. Mais um bocadinho e apanhavas aqui os meus restos mortais.
- Tu realmente não existes! Fala com ele de uma vez por todas e acaba com esta luta sem sentido.
- Não. Assim posso querê-lo todos os dias sem a hipótese de o perder depois.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

...pensamento do dia...


O que me importa
Seu carinho agora
Se é muito tarde
Para amar você...

O que me importa
Se você me adora
Se já não há razão
Prá lhe querer...

O que me importa
Ver você sofrer assim
Se quando eu lhe quis
Você nem mesmo soube dar
Amor!...

O que me importa
Ver você chorando
Se tantas vezes
Eu chorei também...

O que me importa
Sua voz chamando
Se prá você jamais
Eu fui alguém...

O que me importa
Essa tristeza em seu olhar
Se o meu olhar tem mais
Tristezas prá chorar
Que o seu!...

O que me importa
Ver você tão triste
Se triste fui
E você nem ligou...

O que me importa
Seu carinho agora
Se para mim
A vida terminou
Terminou!
Terminou!

"O que me importa" Marisa Monte

Um amor maior que eu

Eu sou indestrutível. Agora sei que sou. Já tentei de tudo para deixar esta vida que sem ti não é nada, mas não consigo, ainda não chegou a minha hora. Será que me consegues ouvir dai, desse local que não conheço mas para onde quero ir ter contigo, mas para onde não consigo ir?

Foste o maior amor e a maior loucura da minha vida. Foste os meus sonhos, mas também os meus pesadelos. Deste-me quase tudo da mesma forma que tudo me retiraste. Deixei tudo por ti, mas tu também deixaste tudo por mim, até me deixaste aqui sozinho, perdido, louco. Pergunto-me porque não esperaste por mim. Sabes, eu teria ido contigo nessa tua última viagem.

Agora passo os dias a tentar completar o puzzle em que ficou a minha vida. Lembro-me de tanta coisa, de ti, de nós, dos momentos felizes, das lágrimas, das discussões, das partidas, dos regressos, das promessas, de tudo.

Já reparaste que a nossa casa esta na mesma? Assim sinto-te em cada lugar, em cada coisa e até parece que ainda estás aqui. Ainda ouço os teus passos, ouço a tua voz, e então dou por mim a correr para a porta porque podes estar a voltar para mim. Mas isso é impossível meu amor. Eu sei e sei que tu também sabes.

Lembras-te do dia em que nos conhecemos? Fizemos amor desde as quatro da tarde desse dia até à tarde do dia seguinte. Não conseguíamos separar as nossas bocas, não conseguíamos separar os nossos corpos, não conseguíamos separar as nossas almas. Eu só te queria a ti e tu só me querias a mim. O mundo parou nesse dia para celebrar a nossa mais doce loucura. Soube desde logo que a minha vida eras tu e que eu era a tua. Deixamos tudo para trás e passamos a viver só para nos. Nada nem ninguém nos podia separar. A nossa casa era o nosso refugio e os nossos corpos o nosso santuário.

Mas um grande amor também nos faz sofrer e tu fizeste-me o que não deixei que mais nenhuma mulher me fizesse. Relembro os teus acessos de ciúmes, as humilhações públicas, o estado em que deixavas o meu corpo. Não precisavas meu amor. Tu eras a mulher mais linda do mundo e eu jamais olharia para outra contigo do meu lado. Muitas vezes deixava-te, talvez para aprenderes uma lição, talvez para me libertar um pouco do nosso amor doentio, e nessas alturas dizia-te que era para sempre, mas tu sabias que eu voltava, eu voltava indefinidamente. Mas não voltei naquele dia. No dia em que decidiste partir para sempre.

Meu amor nunca poderei perdoar-me por não ter chegado a tempo para evitar que partisses tão cedo, tão jovem, tão linda, tão perfeita.

Sabes que trouxe para a nossa casa aquele aquário que descobri em casa dos teus pais. Aquele que encheste com as pétalas secas de todas as flores que te ofereci. Quando olho para ele consigo reviver todos os momentos em que te enchi de flores, de presentes, de mim. Se pedisses ter-te-ia oferecido o mundo, o firmamento, o sol, a lua, tudo. Não há nada que não te oferecesse meu anjo. Tudo era pouco para ti.

Mas agora é tarde para mim, para o nosso amor. Se calhar não te disse tudo, não te dei tudo, não te expliquei tudo. Ficou tudo por fazer, todos os planos, todos os sonhos, toda a nossa vida.

Peço-te meu anjo que esperes por mim, que esperes nesse local para onde fugiste. Eu vou ter contigo, juro. Eu sei que nos vamos reencontrar, porque nada pode separar um grande amor.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Amo-te

- E se de repente eu te dissesse que te amo? Mudava alguma coisa? Ficavas admirado? Achavas normal? Diz-me qualquer coisa. Não fiques mudo a olhar para mim. Já perdi alguém muito importante para mim por não lhe dizer o quanto o amava. Agora, contigo, vou saber dizer-te todos os dias o quanto significas para mim, de todas as formas, como se o amanhã não chegasse nunca.

Ele olha para ela sem saber o que responder. Ela está a dizer-lhe tudo aquilo que ele mais queria ouvir, mas faltam-lhe palavras para lhe revelar os seus sentimentos. As pernas começam a tremer e o medo apodera-se dele. E agora, questiona ele. Nunca foi bom com as palavras mas também nunca foi com os silêncios.

Ela começa a desesperar. Nunca sabe o que os silêncios dele podem significar. Se calhar cometeu a maior estupidez desde que se conheceram. Rói as unhas enquanto pensa que se calhar o melhor era ficar por ali. Ele não vai responder mesmo ou então vai dizer qualquer coisa que não tem nada a ver com o assunto.
- Não vais dizer mesmo nada?

Vai começar a gaguejar e é esse o seu maior receio. Mas se não responder sabe que ela vai virar as costas. Não quer perdê-la, logo agora que tem a certeza de que não poderá amar mais ninguém como a ama a ela.
- Eu…eu também…eu…AMO-TE!

O amo-te sai de dentro dele como um grito. Tapa a boca logo a seguir como se tivesse acabado de dizer o maior disparate do mundo. Olha para ela que o observa incrédula. Vai gritar-lhe mais uma vez que a ama. Começa a gostar do som que a palavra liberta.
- AMO-TE!

Agora é ela que não sabe o que responder. Olha para ele como se fosse a primeira vez que o está a ver. Ele parece uma bomba relógio que acaba de explodir, deixando estilhaços por tudo o que e sítio. Talvez o melhor seja apanhar os estilhaços e abraçá-lo já.

domingo, 22 de novembro de 2009

...pensamento do dia...


Há histórias que não se contam. São partes de nós, do que somos, do que fomos. Há histórias de pessoas importantes para nós que não se revelam a ninguém. São a nossa história em comum.

O que interessa que alguém, de quem nada sabemos, saiba tudo sobre nós? Não é justo. Há histórias importantes que são importantes porque são só nossas. Se assim não for, passamos a ser tema banal de café, num grupo qualquer sobre o qual não temos conhecimento algum.

Há histórias que não se contam. Se foram importantes devemos guardá-las num lugar especial, num lugar só nosso, num pedaço onde ninguém pode entrar. Se qualquer pessoa pode saber a nossa história, então não houve história alguma.

As mulheres

O amor é um sentimento curioso, principalmente nas mulheres. Quando pensamos que estamos curadas de um amor falhado temos a capacidade de cair num novo amor com tendência para ser falhado com uma intensidade absolutamente fenomenal, sem dar espaço para qualquer reflexão. Percebemos desde logo que estamos à beira de um abismo mas mesmo assim damos um passo em frente. Pensamos sempre que connosco é diferente, que não vai ser bem assim como dizem e lá vamos nós em grande velocidade. As mulheres nascem com uma capacidade infinita de tentar. Tentamos sempre até não poder mais. Tentamos mesmo quando já não há nada por que valha lutar. Mas tentamos.

O amor deixa-nos estúpidas e apalermadas. O olhar vago, o pensamento a quilómetros luz da terra, começamos a ouvir aquelas músicas que não lembram a ninguém, estamos no verão e já pensamos na prenda deles para o natal, colocamos fotografias pela casa fora, falamos deles a toda a hora e só de ouvir os seus nomes em certos círculos sociais salta-nos o coração do peito.

Às vezes experimentamos fazer do amor um jogo, tal e qual como os homens, mas acabamos sempre por cair de cara no chão. As mulheres não conseguem ser homens e isso está mais que provado. Apaixonamo-nos com a rapidez de um relâmpago. Basta um dia para nos apaixonarmos para todo o sempre por um homem que acabamos de conhecer. Não conseguimos ficar por uma noite, queremos sempre mais e mais noites, porque já acalentamos uma paixão romântica dentro de nós. Conseguimos mesmo apaixonarmo-nos de caixão a cova por um homem que não conhecemos, o que é extraordinário.

As mulheres nunca conseguem ser suficientemente lúcidas nas questões do coração. Mas também para aguentar tanto amor dentro de nós precisamos de ser um pouco loucas, fazer uns poucos de disparates, perder um pouco a lucidez, acreditar um pouco, cair um pouco e levantar logo de seguida, dar sempre mais um pouco do que podemos. Se não for assim podemos explodir de tanto amor que espera para ver a luz do dia.

sábado, 21 de novembro de 2009

Quando os meus olhos falam para ti

Agora que não estás aqui queria dizer-te tanta coisa, coisas que nunca te disse, coisas que nunca fui capaz de te contar. Às vezes tenho vontade de pegar no telefone e falar contigo, mas nunca o faço. Olho vezes sem conta para o teu nome na lista, aquele nome que me fazia saltar o coração do peito de cada vez que surgia no ecrã. Nunca chego a fazer a ligação porque sei que não devo e porque sei que não ias atender.

Nunca te disse o quanto gostava de ti. Nunca te contei que adormecia todas as noites com os teus braços a rodear o meu corpo, mesmo quando não estavas comigo. Nunca te disse que estava a apaixonar-me por ti. Nunca te contei que passava os dias a calcular as horas para voltar a estar do teu lado. Nunca te disse que eras o meu menino. Nunca te contei que tenho as tuas fotografias no meu quarto, para que sejas a última coisa que vejo antes de adormecer e a primeira quando acordo.

Agora que não estás aqui imagino mil diálogos que não tivemos, mil coisas que ficaram por fazer. Às vezes tenho vontade de te escrever tudo num papel, mas nunca o faço. Não posso enviar-te uma carta que não saberias compreender porque ainda é cedo para ti, muito tarde para mim, jamais para nós.

Sim, eu sei que o meu olhar é um traidor do meu coração, mas tu não sabes disso. Não sabes que os meus olhos travam mil conversas com os teus. Não sabes que os meus olhos concretizam mil coisas com os teus. Quando olho para ti só podes ver a distância que eu quero que tu vejas, mas os meus olhos falam de saudade e tristeza. Quando estou acompanhada os meus olhos falam de solidão. Quando começo a rir os meus olhos choram. Quando falo os meus olhos estão calados. Mas tu não sabes disso.

Agora que não estás aqui queria poder dizer-te que continuo à tua espera sem estar à espera que voltes. Queria poder dizer-te que morro porque já não estás aqui e estás sempre comigo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

...pensamento do dia...


Gostar não chega. Foi a frase mais sábia que alguma vez alguém me disse. Na altura estas palavras não fizeram qualquer sentido para mim. Para mim gostar chegava. Para mim gostar era o primordial. Para mim gostar era simplesmente gostar.

Depois do amor percebi o sentido essencial das três curtas palavras. Há frases que precisamos de “experimentar” para lhe retiramos a sua verdadeira essência. Realmente alguém tinha razão. Gostar não chega mesmo. Quando acaba a cumplicidade, o respeito, a sinceridade, a partilha, a amizade, então gostar não chega mesmo.

Obrigado por me teres mostrado que gostar não chega. Ensinaste-me muita coisa. Contigo aprendi a amar incondicionalmente mas a verdadeira lição estava nas tuas palavras. Sabes, gostar não chega.

Pássaros feridos

A quantas mulheres já deve ter quebrado o coração este homem, penso enquanto o observo. Encontro-o várias vezes nos mais variados sítios. Também é uma cidade pequena e por isso não é difícil que nos cruzemos em tantas ocasiões. Ele deixa-me curiosa mas nada mais do que isso. Sempre que o vejo imagino milhares de histórias que gostaria de escrever.

Ali está ele com o seu ar um pouco triste, um pouco distante, um pouco orgulhoso. Já o vi sorrir, já o vi rir, já o vi divertido, mas sempre com algo de sofrido no seu semblante. É um homem singular. Um homem sem amarras demasiado apegado a sua liberdade. As mulheres não ficam indiferentes a ele e sei que o caminho dele já cruzou o caminho de muitas delas. São os olhares, os movimentos, os gestos, que não deixam dúvidas.

Observo-o sempre com um cuidado de espia. Não quero que ele se aperceba que estou a tentar entrar na sua alma. Interrogo-me se um dia ele me conta a sua história. Já ouvi muita coisa sobre ele. Pequenos boatos, enredos mirabolantes, dos quais não sei onde começa ou acaba a verdade. Às vezes ponho-me a pensar se amou ou soube amar alguma destas mulheres que vejo aparecer e desaparecer e se alguma delas soube compreender a sua natureza livre.

Quando olho para ele traz-me a lembrança um passarito que tive em miúda. Era um pássaro demasiado livre e não conseguia viver engaiolado. Numa das suas inúmeras tentativas de fuga quebrou uma asa. Mesmo ferido continuou a tentar voar sem me dar oportunidade de o ajudar. Fugia de cada vez que lhe estendia a mão, ao mesmo tempo que me fixava o olhar à espera de ajuda. Lembro-me que o libertei logo que ficou curado da asa, pois já não aguentava mais assistir a sua luta contra a prisão a que o tínhamos votado. Gostava tanto dele que preferi soltá-lo para que fosse feliz. Depois de livre continuou a rondar a minha casa. Não vinha todos os dias mas de vez em quando aparecia como que para dizer que não me tinha esquecido mas prezava demasiado a sua liberdade.

Acho este homem um pouco parecido comigo. Se estou presa só penso na liberdade mas quando tenho a liberdade nas mãos não sei o que fazer com ela porque fico na solidão. Acho-o capaz de gerar grandes paixões e grandes ódios, tal como eu. Há seres que não conseguem viver no meio-termo. Os outros ou nos amam ou nos odeiam, e o ódio anda sempre de mãos dadas com o amor. Eu aprendi a viver sem o meio-termo e não sei se alguma vez vou conseguir viver de outra forma. E ele? Será que aprendeu a viver com isso ou foi o próprio criador orgulhoso dos ódios e paixões que o rodeiam?

Levanto-me da mesa do café. Despeço-me desse homem que espicaça a minha curiosidade
de nativa de caranguejo. Talvez nunca venha a conhecer a sua verdadeira história, mas uma coisa eu sei, é que vou continuar a tentar.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O espelho

O espelho reflecte a sua imagem. Olha o seu corpo nu e aprecia cada pedaço do mesmo. Já não é o corpo jovem que tanto amava, mas não está assim tão mal. Sente um arrepio. Sempre teve medo da velhice, da degradação do corpo, da perda da juventude. Está a ficar mais gorda, mas só um bocadinho, pensa ela. Calça uns sapatos de salto alto que encontra perdidos no armário e vira-se de todos os ângulos. Coloca um chapéu de cowboy na cabeça e ri-se do ridículo da imagem no espelho. Retira o chapéu e prende os cabelos longos com as mãos. Gostava de ser mais alta, mas sempre foi baixa. Nada que uns sapatos de salto alto não corrigissem, mas odeia saltos altos. Olha os seios pequeninos e as ancas um pouco largas. A cintura miúda e a barriga muito lisa acentuam ainda mais a forma redonda das ancas. As pernas podiam ser mais altas, mas estão proporcionais com o resto do corpo. Deixa cair o cabelo claro sob a pele morena e olha-se mais uma vez no espelho.

Avança para a cama que ainda está desfeita. Do lado onde ele esteve ainda permanece a cova do seu corpo. Pega na almofada que ele usou e aperta-a contra o peito. Respira fundo o cheiro dele. Repara que a almofada tem alguns cabelos. Pega num e coloca-o dentro do livro que está na sua mesa-de-cabeceira. Atira-se para a cama no lado onde ele dormiu e deixa-se ali estar com a almofada apertada contra si. Pensa na noite, na entrega do seu corpo ao corpo dele. Quando se entrega a ele esquece o seu próprio corpo. Esquece os defeitos, as marcas da idade, as rugas, as gordurinhas a mais, tudo. Lembra os dois corpos suados e estremece de prazer. Ainda sente as mãos dele a percorrer o seu corpo. Ainda sente a pele suave dele em contacto com a sua. Ainda ouve o riso dele e as palermices que sempre diz enquanto fazem amor. Suspira e levanta-se.

Veste-se devagar como se de um ritual se tratasse. Gosta de apreciar o seu corpo no espelho enquanto o dissimula nas roupas. Já experimentou dezenas de peças mas nada parece agradar-lhe. Está a vestir-se para ele e quer que ele se aperceba disso logo que ela chegue ao café. Retira uma camisola de um dos montes de roupa espalhados pela cama e sabe que é a opção certa. Usou-a na primeira vez que saíram juntos e esse pensamento fá-la sorrir. Escolhe uma saia curta de ganga muito usada e veste-a lentamente para não rebentar com o fecho. Depois calça uns chinelos a combinar com a cor da camisola. Está com um aspecto muito despretensioso mas é isso mesmo que quer. Fecha a porta do armário e esquece o espelho.

A esplanada do café está cheia. Aguarda um bocado para que um grupo saia de uma das mesas. Está um calor insuportável mas ela adora sentir o ar abafado e o sol a bater em cheio no corpo. Olha para dentro do bar e vê-o. Cruzam o olhar e sorriem discretamente. Senta-se de costas para ele e pede um café e o jornal. Começam a chegar os amigos e a esplanada torna-se ruidosa de repente. Ouve-os distraída enquanto pensa nele. Mexe o café e acende um cigarro. Ele continua dentro do bar e ela mexe-se um pouco na cadeira e consegue vê-lo através dos espelhos da parede. Ele apercebe-se e olha-a também através dos espelhos. Estão assim alguns segundos. Depois pega no jornal ao mesmo tempo que toca o alarme de mensagem no telemóvel. Vê a mensagem e sorri. Responde-lhe. Sabe que vão trocar mensagens até que um deles vá embora do café. É sempre assim. Estão separados por um vidro mas não podem estar mais perto um do outro.

Enquanto ele sai do café e a olha despercebidamente ela disfarça um sorriso e continua a conversar com o grupo de amigos. Pelo canto do olho vê-o partir e sente o coração bater desgovernado. Sente cada pancada como um aviso, mas agora não quer saber de nada. Um dia vai sair magoada deste jogo que insistem em jogar, mas agora não quer saber de nada. Agora quer que a tarde acabe depressa para poder correr para junto dele, para poder refugiar-se nos seus braços, para poder fugir de novo para aquele mundo que é só deles. Toca o telemóvel e salta da cadeira para o atender. Do outro lado ouve uma música de fundo. Chama-o baixinho, mas ele não fala. Apetece-lhe rir e chorar ao mesmo tempo. Coloca-se de frente para os espelhos do café e olha-se enquanto ouve aquela música que é para ela.

Conduz devagar pela estrada que já conhece de cor. Não quer parecer muito apressada em chegar. Mas ao mesmo tempo parece que nunca mais chega. No espelho retrovisor vê a sua face afogueada e os olhos brilhantes. Sente um calafrio premonitório. Desde o primeiro dia em que estiveram juntos apercebeu-se que ele iria ser o seu calvário, mas insiste em mortificar o seu coração enquanto espera o último adeus. Devia deixá-lo agora mas como não consegue vai legar nele essa questão. Vai deixar ser ele a cansar-se, a abandoná-la, a esquecê-la. Vai sofrer mas nunca conheceu uma paixão sem dor. Sabe desde o início que este jogo só poderia ter um fim.

Vislumbra-o ao longe, no sitio do costume, enquanto deixa o carro deslizar suavemente pela rua. A imagem dele deixa-a sem respiração. Parece sempre que é a primeira vez e a última. Olha mais uma vez para o espelho retrovisor. A pele morena não consegue esconder o rubor das faces. Passa a mão pelo cabelo e morde os lábios. Sente as pulsações mais fortes. No estômago tem uma revolução de borboletas e o coração está cada vez mais apertado. Para o carro na berma da estrada. Ele sorri e ela respira fundo.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A consulta

Dama para rei. O às para o dois. Coluna completa. Sete para oito e oito para nove. Não, essa carta não. Que burra. Olho para a funcionária e apetece-me bater-lhe. Mentalmente vou fazendo o jogo de cartas que espreito no ecrã do computador enquanto espero que ela me entregue o recibo. Ela não me liga nenhuma. Está tão concentrada no jogo que nem repara que a impressora já cuspiu o meu documento. Alerto-a para o facto e ela não responde. Olha para mim com aquele ar de superioridade de quem está com a faca e o queijo na mão.

Observo a sala de espera que continua cheia de gente. Sinto que estão todos a olhar para mim. Apetece-me sair dali a correr, mas tenho que esperar pelo recibo. Sinto as lágrimas a chegar aos meus olhos e acho que não vou conseguir aguentar até sair daquela sala. Finalmente entrega-me a folha e dá-me umas boas tardes muito secas. Saio sem responder em passo acelerado ao mesmo tempo que as lágrimas começam a cair. Não consigo sustê-las.

Como é que eu poderia saber que uma consulta de rotina ia acabar desta forma? Não vou conseguir dizer-lhe. Como é que eu posso contar-lhe uma coisa destas sem parecer premeditado? Tenho a cabeça cheia de perguntas para as quais não consigo obter resposta. Penso duas vezes antes de entrar no carro, mas as lágrimas continuam a correr-me pela cara e não quero que me vejam assim.

Acendo um cigarro e ponho o carro em marcha. Tento lembrar-me de como tudo era no início, antes de começarem os conflitos, as discussões, as desconfianças, os ciúmes. Éramos tão felizes que nada parecia poder perturbar essa felicidade. Agora somos dois estranhos a morar na mesma casa. Meço cada palavra que lhe digo, cada acto, cada desejo. Ele já não quer saber e eu não sei se o medo que sinto é de o perder ou de voltar a ser feliz se ele for embora. Já tentei dizer-lhe tantas e tantas coisas, mas nunca consigo chegar ao fim da conversa. Ele muda de assunto e eu perco-me no labirinto das suas palavras. Peço-lhe para que seja sincero comigo e ele responde que não há problema algum, que está tudo bem, que gosta de mim. Eu já não acredito mas finjo que sim.

Estaciono o carro junto ao dele na garagem e começo a ensaiar a melhor forma de lhe dar a noticia. Querido estou grávida! Não, é muito vulgar. Como é possível ter que ensaiar uma coisa que nos deveria deixar a explodir de felicidade? Tenho uma vida a crescer dentro de mim e apenas sinto vontade de chorar. Imaginei tantas vezes este dia, mas nunca pensei ficar tão agoniada. Meu amor tenho uma coisa para te contar. Vamos ter um bebé!

Enquanto procuro as chaves de casa invade-me um medo estúpido de abrir a porta. Querido vamos ser pais! Continuo a ensaiar mentalmente o meu discurso e nada parece suficientemente natural. Como cheguei a este ponto? Como chegámos a este ponto? Entro e está tudo silencioso. O carro dele estava na garagem, mas ele não está em casa. Em cima da mesa da entrada tenho um bilhete: “Volto já. Beijos”. Deve ter tentado ligar-me, mas eu ainda tenho o telemóvel desligado. Assim ganho mais tempo para pensar.

Atiro-me para o sofá da sala e ligo mecanicamente a televisão. Passo por todos os canais e nada prende a minha atenção. Penso nas palavras do médico: “Estás grávida. Parabéns.”. Naquele momento senti um vazio enorme, um choque. Acho que deve ter percebido a minha inquietação, mas não disse nada. Agora penso na cara dele a ouvir as minhas palavras. Aquelas palavras que eu ainda não sei como vou juntar para formar uma frase com nexo.

Toca a campainha. Não me apetece levantar, mas pode ser urgente. Arrasto-me até à porta. Abro e ali está ele, com aquele sorriso que há muito já não lhe via. Tem os braços cheios de caixas coloridas, de bonecos e um berço. Atiro-me nos seus braços e começam a cair-me de novo as lágrimas.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

...pensamento do dia...


Tomamos decisões todos os dias. A vida coloca-nos perante as mais diversas situações às quais somos obrigados a responder com uma ou mais decisões. Algumas irreversíveis, outras revertíveis, umas mais fáceis, outras assaz difíceis.

Não é fácil tomar decisões. Algumas podem ser abraçadas após longas reflexões, outras são decididas a quente, no momento, no calor do acontecimento. Mas é preciso tomar decisões. Sem elas a vida não desenvolve, não anda para a frente, não acontece.

Na maior parte das vezes as decisões não são agradáveis. Mas não podemos conviver só com o que gostamos e reconhecemos mais fácil. Infelizmente isso nem sempre é possível. O medo de errar leva-nos a errar constantemente, mas a vontade de alcançar também nos faz lutar e correr pelos nossos objectivos.

“O fraco fica em dúvida antes de tomar uma decisão, o forte, depois.” Karl Kraus

Saudades

A casa estava tal e qual como a tinha deixado, mas depois de tantos dias fora já parecia desconhecer o próprio lar. Era sempre assim em cada regresso. Passava tempo demais longe de tudo e de todos. Sabia que à noite iria estranhar a própria cama. Já não estranhava os quartos de hotel nem a comida dos restaurantes. Estranhava a própria casa.

Abre a mala de viagem. Fica a olhar para a roupa que sabe que tem que arrumar e pôr para lavar. Hoje não lhe apetece fazer nada. Vai deixar tudo para amanha. Atira-se para cima da cama e fecha os olhos. Pensa no trabalho que correu tão bem desta vez. Chegou agora e já tem saudades dos colegas, das chatices, da correria sem fim, do stress. Sorri. Agora vai descansar uns dias. Liga a televisão e deixa-se estar ali deitada. A esta hora sabe que só vai apanhar programas de telecompras, mas também não vai ligar a ninguém aquelas horas. Amanhã vai fazer tudo isso. Adormece quase instantaneamente.

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O sol entra pela janela cheio de força. Esqueceu-se de baixar as persianas. Ouve vozes da televisão que ficou ligada toda a noite. Ainda está vestida com a roupa de ontem. Começa a considerar que vai ter que levantar-se e tomar um banho. Não tem fome, mas vai ter que comer qualquer coisa. Olha para o relógio. São quase horas de almoço e lembra-se de que não tem nada no frigorífico. Pega no comando da televisão e procura um canal de música. Depois agarra no telemóvel e vê o aviso de chamadas e mensagens que vai deixar para responder mais tarde. Levanta-se de um salto e começa a despir-se ao mesmo tempo que se encaminha para o quarto de banho.

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Enquanto se dirige para o restaurante pensa que não está arrependida da vida que escolheu. Também não está arrependida de ter acabado com aquele relacionamento difícil e longo. Às vezes sente-se perdida, mas isso é normal. Estiveram juntos tanto tempo que é difícil desabituar o corpo e a mente de um hábito adquirido. Agora tem consciência de que já não era amor nem paixão que a uniam aquele homem. Descortina os amigos na mesa da esplanada do restaurante e acena com entusiasmo. Tem tanto para contar e sabe que eles já estão a espera de ouvir as histórias mirabolantes que traz de cada viagem.

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Retira o rolo fotográfico da mala e entrega-o a empregada da loja. Enquanto estão a revelar vai ter tempo de fazer as compras no supermercado. Está ansiosa para ver as fotografias do último trabalho. Senta-se num banco e coloca outro rolo na velha máquina. Tem sempre um rolo de sobra na mala. Não consegue habituar-se às máquinas digitais, pois as fotografias perdem toda a piada. Pode sempre escolher uma e apagar outras e tentar uma e mais vezes. Não, não lhe agrada. Falta o elemento surpresa. Adora rir das caras e dos momentos únicos. Adora toca-las e revê-las milhares de vezes logo que as vai buscar as lojas de revelação. Pode parecer uma parvoíce, mas é o que sente. Pega no telemóvel e procura o número que desde manha tem vontade de marcar. Odeia fazer compras sozinha e já tem saudades dele.

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Não presta muita atenção ao que ele tem estado a contar durante o jantar. Olha para ele simplesmente e apercebe-se que sentiu a falta dele enquanto esteve fora. Não sabe se isso é muito bom ou não, mas tem a certeza de que não vale a pena pensar muito nisso. Enquanto brinca com a comida que tem no prato decide que vai viver esta relação baseada no presente. Não vai querer saber do passado nem vai rebentar o cérebro a pensar no futuro. Volta a olhar para ele e sorri daquele ar trocista que ele faz quando fala de alguma coisa engraçada.

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Ele despe-a devagar sem dizer uma palavra. Beija-a uma, duas, milhares de vezes. Ela olha-o nos olhos e de repente apetece-lhe chorar de felicidade. Aperta-o contra si com toda a força que tem. Não entende como é possível que alguém que conhece há tão pouco tempo a preencha tão plenamente. Agora sabe que vai ser difícil deixá-lo de cada vez que tiver que partir.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

...pensamento do dia...


Esquecer é tão fácil. Primeiro és apagada do telemóvel. Depois excluída do msn. Deixas de fazer parte dos contactos importantes. Deixas de ser parte de qualquer contacto possível. As coisas que fazem lembrar de ti são retiradas do sítio. Arrumadas num canto qualquer ate ficarem cheias de pó. As coisas que ficam já nem sabe quem lhas deu. Coisas sem importância. Limpa-se tudo do computador. E “voilá” já não existes, nunca exististe em lado nenhum. Muito simples.

És esquecida numa fracção de tempo mais curta que uma volta na avenida marginal num domingo qualquer. Agora que já não existes em lado nenhum é hora de encher a vida com outras imagens, outros números de telemóvel, outros contactos do msn, outras coisas que não são postas a apanhar pó. Nunca tudo foi tão importante e teve tamanho valor. Agora é que é tudo a sério. O antes nunca existiu. Quem? Não a conheço.

Tudo o que está para trás nunca existiu. Nunca houve planos, sentimentos, momentos. Um dia destes, muito em breve, já nem sabe o nome completo, a data de aniversário, o número de telemóvel de cor. Vai enviando tudo para o item reciclagem que tem dentro de si e um dia destes é só carregar no comando “esvaziar reciclagem”.

“CTRL+ALT...DELETE”…

O empregado

- Sabem o que me apetece? Enviar-lhe uma caixa com dois tomates maduros.
- Bem, não há melhor prenda para um homem sem tomates. Eu também detesto um homem sem tomates!
- E vais enviá-los simétricos? Acho mal que o faças. Há sempre um mais vazio que outro.
- Não concordo. Não envies os tomates. Atira-os congelados a cabeça do senhor que dói mais.
Soltam-se as gargalhadas na mesa do café. Os clientes olham o grupo das quatro mulheres com curiosidade.
- Mas o que me chateia mesmo é aquele ar de quem acha que está tudo bem. Enfim, haja paciência.
- A paciência é uma virtude.
- Tem dias. Eu não sou dada a paciência. Eu já tinha armado uma daquelas escandaleiras…
- Estás parva! Nunca! Eu começo a achar que sou perseguida por homens sem tomates. E o meu destino minhas amigas.
- E olhem que o destino é uma coisa do caraças.
- Vem aí o empregado metediço. Caluda meninas.
- Olha que ele até é bem giro.
- Por favor!
O empregado aproxima-se da mesa. Traz os cafés. Olha para as quatro mulheres que recomeçam a rir e sorri também. Todos os dias aparecem à mesma hora e pensa que devem vir directas do trabalho. Às vezes ouve pedaços das suas conversas. O assunto é sempre o mesmo: homens. Nunca tinha imaginado que as mulheres pudessem falar assim dos homens. Às vezes coloca-se perto da mesa delas e deixa-se estar só para as ouvir.
- Estou decidida a deixar o meu gajo de vez. Estou farta de esperar que ele mude. Ele nunca vai entender-me.
- Desde o início dessa relação estúpida que te ouço a dizer que o vais deixar. Acho que nunca o vais conseguir minha amiga. Desculpa a franqueza!
- Consigo sim! Há quanto tempo não ligo para esse camelo? Estou a aguentar-me. Apetece-me cortar as mãos para não cometer um disparate, pegar no telemóvel e zumba ligar.
- Eu se fosse a ti começava a mandar umas pestanadelas ao outro. Depois de tudo o que este te fez é caso para o mandar passear. Olha que o outro está mesmo à espera de um sinal teu.
- Não sei. Tenho dias em que penso no caso. Mas depois ele liga-me, vou ter com ele e o caldo fica entornado. Só de me tocar ao de leve sinto-me a queimar por dentro. É mais forte do que eu.
- Só o olhar dá cabo de nós não é? Eu sei como é! E quando o sexo é bom pior ainda!
- Mas não é o sexo que me dá saudades. Saudades sinto daquele carinho que vem depois do sexo. E ele é bom nisso e acho que nem se apercebe da coisa. Juro!
- Se os homens sonhassem que são as pequenas coisas que dão cabo da nossa resistência, não se esforçavam tanto com os jantares caros, os presentes, os carros velozes e por ai fora.
- Burros, são uns grandes burros! Essa é que é a verdade.
- Não. Burras somos nós. Já viram como acabamos sempre a porra das nossas tardes?
- A falar deles, claro!
Recomeçam as gargalhadas na mesa. No café ninguém consegue ficar indiferentes às quatro mulheres que não param de falar e rir. O empregado olha para elas com curiosidade e pensa que os finais de tarde já não são os mesmos quando elas não aparecem. Daqui a pouco estão a pedir uns finos e pode jurar que vai ser já.
- Um brinde a nos?
- Pede aí as cervejolas ao rapaz.

domingo, 15 de novembro de 2009

...pensamento do dia...


Agora percebo tudo. Percebo, porque foi dela que nunca te esqueceste um só dia. Os anos que passaste do meu lado, olhavas para mim na tentativa vã de encontrar algo dela. Mas era difícil que a encontrasses em mim. Nunca fui oca, fútil e desprovida de discernimento. A minha beleza vem de dentro para fora, nunca de fora só para fora.

Agora percebo tudo. Percebo, porque nunca quiseste falar. Não quiseste dar um sinal, uma pista, um rasto. Atiraste tudo ao ar. Esqueceste tudo. Fugiste. Apagaste os últimos anos da tua vida com uma borracha. Voltaste atrás e pegaste num lápis desgastado para reescrever uma história que bem conheces.

Afinal és mais parecido comigo do que julgas…

Um dia normal

O mar. O mar entra-me pelos olhos, pelos pulmões, pelos ouvidos, pela pele. O mar acalma-me como nada neste planeta é capaz de o fazer. O mar, sempre o mar em mim. A minha mãe diz que é do meu signo de água. Há quem diga que sou parecida com ele. Sou capaz de passar de um estado pacífico para um estado tumultuoso de um momento para o outro.

Levanto-me e sacudo a areia da roupa. Olho uma última vez à minha volta. Gosto de ver a praia vazia. Não há bolas no ar. Não há gritos de miúdos. Não há famílias inteiras nos seus acampamentos de chapéus e barracas. Não há bailados de toalhas. Não há gelados e bolacha americana. Não há rádios a pilhas. Não há ruído que não seja o do mar e os gritos das gaivotas.

Enquanto caminho pela marginal vou fazendo apostas estúpidas. E se eu pisar só a calçada azul e porque gostas de mim. E piso só a calçada azul. Vou muito atenta. Não quero cair em falso na calçada branca. Vou fazendo uma ginástica quase impossível para não pisar as partes brancas do passeio. Devo parecer uma pateta para quem me vê neste equilibrismo sem sentido. Paro com a brincadeira infantil. Sento-me no muro. Acendo um cigarro. Apenas arde metade. É porque estás a pensar em mim. Disseram-me isso uma vez. Prometi a mim mesma que não ia pensar em ti hoje. Sacudo a areia das sapatilhas enquanto firmo o cigarro com lábios. O fumo entra-me nos olhos e fico cheia de lágrimas. Detesto quando isto me acontece. Olho mais uma vez o mar com os olhos embaciados pelas lágrimas. Aquelas lágrimas que eu gostava que fossem por ti. Mas não consigo chorar.

Entro no carro. Tenho que ir. Vou cheia de mar dentro de mim. Às vezes ainda sonho com aquela casa que gostava de construir junto ao mar. Já estou a vê-la. Térrea, com um alpendre a toda a volta. O quarto virado para o mar. Imagino-me a acordar de manhã ao som das ondas. Abrir as portas de vidro e descalça descer as dunas e caminhar até junto da água. Depois voltar para casa e tomar o pequeno-almoço no alpendre. Tu já estas à minha espera sentado na cadeira de madeira. E volto a pensar em ti. E se eu conseguir que o meu carro ande em ponto morto até à última passadeira dos peões é porque vais ficar comigo para sempre. Coloco a mão nas mudanças. Quase deixo o carro ir abaixo, mas consigo chegar à passadeira e fico feliz.

Não. Vou parar de pensar em ti. Estou a tornar-me obsessiva. Passo os dias a olhar para o telemóvel à espera que ligues. Gasto o relógio de tanto olhar o tempo que custa a passar. Dou mais de mil voltas pela cidade na esperança de te encontrar numa esquina qualquer. Faço planos e traço estratégias que sei que nunca vou concretizar. Imagino-te de todos os feitios e formas e cores. Estás em todos os lugares a que vou. Estás em tudo o que faço. Estás sempre do meu lado. Estou completamente perdida por ti. Unicamente penso em ti. Não como. Não durmo. Se durmo sonho contigo. Consumo-me a pensar no que estarás a fazer. Com quem estás. Onde estás. Se pensas em mim.

Paro o carro. Já dei tantas voltas na marginal que até me sinto atordoada. Saio e sento-me no muro. Estreito os joelhos ao peito. Fecho os olhos e deixo-me embalar pelos sons que me rodeiam. Não sei quanto tempo estive assim. Embalada pelo som do mar, pelas vozes das pessoas que passam, pelo tic-tic das patitas dos cães, pelos pneus dos carros no piso molhado. Quando abro os olhos já está a cair o sol no horizonte.

Perdi a conta às vezes que te convidei para assistires ao pôr-do-sol comigo. O céu começa a ganhar um tom alaranjado e o mar brilha como a prata. Nunca aceitaste. Estás sempre ocupado. O mar continua à espera que o sol se deite na cama que ele lhe prepara todos os dias. Eu continuo à espera de ti.

sábado, 14 de novembro de 2009

...pensamento do dia...


Se no espaço de um mês perdessem o melhor amigo, o companheiro, o grande amor, a alma gémea, o emprego, a saúde e certos amigos virassem as costas, a quem imputariam a vossa revolta? A Deus? À vida? Ao destino? A quem vos furtou o que mais amavam? A quem partiu? A vocês mesmos?

Num espaço tão curto perdemos o chão que pisamos. Num espaço tão curto a nossa existência parece tão injusta. Num espaço tão curto percebemos como a vida é fugaz. E será que num espaço tão curto temos o discernimento para não nos revoltarmos contra algo ou alguém? Será que temos legitimidade para nos revoltarmos? Será que conseguimos erguer a cabeça sem sentir um pouco de revolta? É um turbilhão de ideias, questões, insurreições, lágrimas e escuridão.

Depois damos a volta por cima. Lambemos as próprias feridas. Simulamos sorrisos. Comunicamos a toda a gente que foi mais uma útil lição. Mas por dentro morre qualquer coisa, uma parte de nós que nunca sabemos bem onde se localizava. As cicatrizes, essas, vão connosco para onde formos. Erguemos a cabeça, mas será que erguemos a pessoa real que em nós habita?

A carta

Sempre que penso em ti penso que as mulheres são umas parvas. Basta um homem para dar cabo da nossa vida. Apaixonamo-nos e quando damos por ela eles já são reis e senhores da nossa casa. É a pasta dos dentes que apertam pelo meio. São os chinelos espalhados no tapete do quarto. A roupa aparece em todas as divisões da casa. Quando decidem fazer um jantar romântico, acabamos a noite na cozinha a tentar solucionar o terramoto que sobre ela se abateu. Quando procuramos o comando da televisão o mais provável é ele estar soterrado nos restos de um qualquer petisco nocturno. O problema é que nunca sabemos quando chegou o tempo de gritar basta.

Eu acho que tu sabes quando eu estou prestes a explodir e a gritar o tal basta. Conheces aquele meu franzir da sobrancelha. Ficas com medo quando torço o nariz ao mesmo tempo que encaracolo uma mecha de cabelo. Então chegas a casa com presentes. Reservas mesa naquele restaurante que eu simplesmente amo. Dizes-me que estou linda, mesmo que esteja com aquele pijama ridículo com pintainhos, as pantufas com focinho de cão e o cabelo apanhado com uma mola já gasta.

Foste entrando na minha vida devagar. Fizeste-me sentir que eu já não podia viver sem ti. Mudaste as lâmpadas fundidas. Montaste o kit de prateleiras que já ganhava mofo na garagem. Sintonizaste todas as televisões da casa. Conseguiste até arranjar a máquina de lavar roupa. Depois começaste a trazer algumas das tuas coisas para minha casa. Até aquele quadro horroroso, que dizes ser de um pintor que conheceste no Porto, penduraste no meu escritório. Quando dei por ela já tinha a tua roupa nas minhas gavetas e nos meus armários. O teu computador passou a fazer parte da decoração da sala e o carregador do telemóvel jamais saiu da mesinha do meu hall.

Na altura achei piada. Estava completamente rendida ao teu sorriso e, pelos vistos, ao teu jeito para a bricolage. Estava apaixonada. Tu eras uma lufada de ar fresco na minha vida. O sexo era excelente e a forma como adormecias enrodilhado em mim deixava-me desarmada.

Agora começo a desesperar com as pequenas coisas que vejo em ti. As mulheres deviam vir incorporadas com uma campainha que nos desse um sinal de aviso quando estamos prestes a cometer uma insanidade.

Não consigo viver sem ti, mas também não consigo viver contigo. Já fazes parte da minha vida, mas arrasas com os meus nervos. Até te conhecer a minha vida era tão normal. A minha casa era o meu santuário. Tudo tinha o seu lugar. Cada objecto escolhido pela razão certa, na altura certa, para o espaço certo. Tudo era o espelho da mulher independente e de sucesso em que me transformei. Mas ao mesmo tempo sentia um vazio. Então, tu apareceste. Preencheste esse vazio com o teu sorriso, com a tua forma despreocupada de ser, a tua vontade desmedida de viver o dia-a-dia, a tua beleza.

Lembro-me daquele dia em que me obrigaste a sair do trabalho antes da hora. Ligaste mais de cem vezes. Inventei uma desculpa qualquer e saí. Já estavas à minha espera. Metemo-nos no teu carro. Conduziste durante horas. Eu sempre a perguntar para onde me levavas. Tu sorrias e dizias, não te preocupes que tenho tudo controlado. Eu já começava a ficar louca. Quando deixo de ter mão num assunto fico desesperada e tu sabes disso tão bem. Foi o melhor fim-de-semana da minha vida. Tu já tinhas feito as malas. Na minha mala não havia uma peça de roupa que combinasse com outra. De calçado só tinhas colocado um par de sapatilhas velho e uns chinelos. O que recordo com mais saudade foi aquele passeio a cavalo nas dunas da praia, mesmo ao pôr-do-sol. Só eu e tu. O mar demasiado azul e eu demasiado feliz.

Esta é mais uma carta que vou deitar para o lixo. Nunca chego ao fim. Nunca as chego a entregar. Daqui a pouco vais entrar por aquela porta com o teu sorriso. Vais espalhar as compras pela cozinha. Vais apertar-me contra ti e beijar-me. Vamos fazer amor logo ali no sofá. E eu vou pensar que a minha vida não está bem a ir pelo caminho que eu queria, mas mais uma vez não vou dizer nada.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

...pensamento do dia...


Somos mais substituíveis que uma peça de roupa velha esburacada e remendada, porque existem peças de roupa das quais nunca nos separamos. Apercebi-me deste facto ontem, num momento que durou só alguns segundos. O momento não interessa, interessam as questões que extraí do momento. Quanto valemos na vida das pessoas que fazem parte da nossa vida? Que marcas deixamos na vida das pessoas que nos rodeiam? Quanto fica de nós nas pessoas se somos substituíveis?

Faço parte desse grupo que jamais se separa de certas peças de roupa velha e cheia de buracos. São peças com história, que marcam momentos, que se falassem diriam tudo sobre nós. Faço parte desse grupo que jamais substitui pessoas como quem troca de roupa velha.

Sou uma coleccionadora nata. Colecciono memórias, momentos, pessoas, papeis, passados, pensamentos, histórias. Colecciono bocados de tudo e pedaços de todos. Tenho caixas cheias de pequenos nadas, que são os meus pequenos tudo.

Somos importantes para as pessoas só o tempo que somos importantes para as pessoas que lhes são importantes ou porque somos mesmo importantes? Somos importantes para as pessoas porque reconhecem em nós o valor que temos ou porque lhes dá jeito a dado momento que acreditemos que temos valor? Somos importantes porque somos ou porque achamos que devemos ser?

No fundo no fundo somos mais substituíveis que uma peça de roupa velha…

Faz amor comigo

E saber que aquele era diferente dos outros? Ela não poderia saber. Estava demasiado empenhada em insistir naquela outra relação algo destrutiva que lhe ia consumindo a alma e o corpo.

Entrou pela porta do consultório de rompante. Sentou-se no colo dele. Apertou a cabeça dele contra o seu peito. Já não aguentava mais e vim-te ver, disse ela com a voz sussurrante. Ele deixou-se estar. Ela sente-se derreter em contacto com o corpo dele. Estreita-se toda nele. Aperta com mais força. Parece querer entrar dentro dele até obter um só corpo.

De cada vez que sai de junto dele não sabe se vem mais cheia ou mais vazia. A sala de espera cheia de mulheres deixa-a louca. Não quer imaginar que as mãos dele, que ainda há pouco a acariciavam, podem estar neste momento no corpo de outra mulher. Sim, ela sabe que é o trabalho dele, mas mesmo assim prefere martirizar o pensamento. Olhou para todas aquelas mulheres e tentou achar um qualquer indício nos seus olhares.

A graça dos encontros furtivos começa a empalidecer. Ela quer mais, quer sempre mais. Será que é pedir muito? E se ele não puder dar mais do que tem dado até agora? Será o fim? Se a relação não fosse como é será que ela gostaria dele da mesma forma desmedida?

Enquanto conduz vai ouvindo aquela música. Mas como é possível ouvi-la tanta e tanta vez sem se cansar. Sabe a letra de cor, mas de cada vez que a ouve consegue perceber outra e mais outra coisa. Ela nem gosta da música. Acaba a faixa. Mas volta a repeti-la. É só mais uma vez. É a ultima. E pensa nele. Esse outro que às vezes lhe invade o pensamento. Pára o carro junto ao mar. A música continua. O telemóvel toca.

Agora vai dizer-lhe que não. Tem que ser. Olha para o telemóvel. Lê a mensagem mais uma vez. Depois escreve aquelas palavras que sabe que não sente. Tem que ser. De noite não vai correr para ele. Sente o coração apertado. Sabe que não vai conseguir dormir porque hoje vai dizer-lhe que não. Vai inventar uma desculpa qualquer, mas que magoe. É preciso magoar. Sempre ouviu dizer que é a dor que nos faz sentir vivos.

Olha para o telemóvel mais uma vez. Vai enviar aquela mensagem que já imaginou um milhar de vezes. Vai responder àquele outro homem. Nunca deixou que ele se aproximasse o suficiente. O carinho que o seu olhar lhe transmite deixa-a baralhada, porém não consegue entregar-se. Se calhar também não vale a pena perder tempo a pensar nisso. Mas ela pensa. Pensa muito. Pensa sempre demasiado nas coisas. Pensa que com ele poderia ser diferente. Pensa nessa entrega que tem negado dia após dia. Pensa nas últimas palavras que ele lhe sussurrou ao ouvido: Faz amor comigo.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

...pensamento do dia...


Só nos magoam as pessoas que amamos. Só elas têm esse poder. Quem nada significa na nossa vida não tem via-verde para nos magoar, atropelar e passar em grande velocidade por cima de nós, deixando marcas irreparáveis.

Só nos magoam as pessoas que amamos. Porque lhes damos tudo o que somos, o que não somos e o que queremos ser. Entregamo-nos de corpo e alma sem esperar nada em troca. Abrimos as mãos e entregamos os nossos sonhos, pesadelos, desejos, frustrações, sorrisos, lágrimas.

Só nos magoam as pessoas que amamos. Porque as amamos e todas as suas acções se repercutem em nós. São parte do nosso eu e quando se afastam é uma porção de nós que parte com elas.

Só nos magoam as pessoas que amamos. O seu afastamento ponderado é tão grave como um crime premeditado. É tudo mais isento quando decorre de um momento que não esperamos, do calor da controvérsia. Mas a premeditação, essa jamais nos trará um alívio no futuro. É uma pena pesada que nunca recai no criminoso, mas sim no lesado.

Só nos magoam as pessoas que amamos...

O teu abraço é o meu sossego

É do seu abraço que ela sente mais a falta. Daquelas noites em que ele pedia baixinho para que ficasse. Fica comigo esta noite, pedia ele com aquela vozinha que ela não sabia como contrariar. Não, respondia ela, não posso. Mas sabia que acabava por ficar. Tirava a roupa de novo. Entrava nos lençóis e deixava-se enroscar. Descansava sossegada nos braços dele. Sentia a respiração dele no pescoço e sabia que não podia ser mais feliz do que o era naqueles momentos.

Às vezes parava a olhar para ele. Sentia que aquela felicidade não poderia durar para sempre. Eram tão diferentes. Ali estava ele adormecido nos seus braços. Um menino com ar de anjo. Respirava tão baixinho que ela tinha medo que ele estivesse morto. Nessas alturas colocava a mão junto da boca dele para sentir a respiração. O peso do braço dele sobre o seu corpo descansava-lhe a alma e os remorsos. Ele era tão novo.
Nessas noites ela não conseguia dormir. Tinha medo de mover-se na cama e acordá-lo. Mal respirava. Sentia um aperto no peito tão forte que chegava a magoar. Sentia vontade de gritar. Não sabia se de felicidade se de medo de ficar louca. Durante essas noites ele procurava o corpo dela. Apertava-a com força. Encaixava-se todo nela e voltava a dormir.

Havia noites em que se esqueciam de fechar totalmente as persianas e a luz da rua invadia o quarto. Ela podia ver distintamente o corpo dele. Jovem, perfeito. Conhecia cada curva, cada cicatriz, cada recanto, cada sinal. Fechava os olhos e via-o distintamente. Era preciso guardar cada pedaço do corpo dele na sua memória. Um dia, sabia que iria lembrá-lo assim. Aos pedaços. Os olhos tristes. As mãos perfeitas. O nariz torto. As orelhas pequeninas. As pernas musculadas. Os joelhos salientes. Os braços magrinhos. O tronco seco mas com barriguinha. O cabelo despenteado. Os pés com dedos curtos. Não sabia se mais tarde o irá lembrar por esta ordem. Se o irá lembrar por inteiro ou aos bocadinhos.

Nas madrugadas e manhãs ela voltava para casa. Pensava sempre nas mãos dele que poucas horas antes tinham percorrido o seu corpo. Sentia ainda os beijos. Sorria sempre ao observar as marcas que ele sem querer infligia nos seus braços. Depois deixava de sorrir. Ficava séria. Pensava se ele pensaria nela depois de o abandonar na cama onde se tinham amado.

Ela quis dizer-lhe na cara, depois de todas essas noites, que ele era a sua alma gémea. Nunca teve coragem ou nunca se proporcionou. Dizer-lhe como? Ela tinha medo. Ele fazia-lhe lembrar um animalzinho selvagem. Se o apertasse demais ele iria fugir. Talvez já lhe tivesse dito por outras palavras. Mas ele não entendeu ou fez que não entendeu. Talvez o melhor fosse não dizer nada. E ela não disse nada depois dessas noites.

Agora, gostava de pelo menos lhe ter podido dizer: o teu abraço é o meu sossego…

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A Varanda

Lá está ele na varanda. Eu estou na varanda. Todos os dias nos encontramos ali à mesma hora. Fumo o meu cigarro. Está frio. Às vezes ele dirige-me o olhar. Não trocamos uma palavra. Às vezes estaciono o meu carro junto ao dele, na esperança de que ele faça um arranhão no meu carro. Está mesmo frio. Não posso ir para dentro. Não consigo. Estou hipnotizada. Às vezes imagino que ele vem à varanda para me ver. Parvoíce.

E aqui estamos os dois separados por uma estrada. Varandas frente a frente.
Gosto de varandas. Comprei a casa por culpa da imensa varanda que a rodeia. A casa nem é grande coisa. Tem rachas nas paredes. Precisa de obras. Os quartos são pequenos e a cozinha está ultrapassada. O quarto de banho tem uns azulejos medonhos. Mas foi a varanda que me chamou a atenção. Tinha que comprar esta casa. As varandas dão-me uma sensação de liberdade. Saio das quatro paredes da casa e fujo para lá, onde posso respirar. Há uma zona da varanda de onde consigo ver o mar. Um risco de mar. Será que ele também vê o mar?

Pega no telemóvel. Está sempre ao telemóvel. Eu estou sempre a fumar. Já tentei deixar de fumar. Mas o cigarro faz-me companhia. Daqui a pouco volto para dentro. Ainda não, ainda é cedo. Ele continua ao telefone. Não me vê.
Às vezes encontro-o num café qualquer ou até mesmo no supermercado. Não nos cumprimentamos. Está sempre sozinho. Continua ao telemóvel. Deixa-me nervosa com tanto telefonema. Desliga. Agora vira-se de costas. Toca o meu telemóvel. Vou a correr para a sala. Quando volto a varanda ele já não está lá.

Saio da varanda. Verifico se está tudo bem em casa. Pego nas chaves. Não, o telemóvel fica em casa. Fecho a porta. Desço as escadas devagar. Não quero parecer muito apressada. Atravesso a estrada. Toco a campainha que conheço de cor. A porta abre. Não acendo as luzes. O elevador nunca mais desce. Quando chego a porta já está aberta. Só uma fresta como sempre. Abro devagar e entro.
- Então, tudo bem? Acho que já está na hora de deixares de fumar.
- Sim. Talvez. Pensei que nunca mais desligavas aquela chamada.