sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Pássaros feridos

A quantas mulheres já deve ter quebrado o coração este homem, penso enquanto o observo. Encontro-o várias vezes nos mais variados sítios. Também é uma cidade pequena e por isso não é difícil que nos cruzemos em tantas ocasiões. Ele deixa-me curiosa mas nada mais do que isso. Sempre que o vejo imagino milhares de histórias que gostaria de escrever.

Ali está ele com o seu ar um pouco triste, um pouco distante, um pouco orgulhoso. Já o vi sorrir, já o vi rir, já o vi divertido, mas sempre com algo de sofrido no seu semblante. É um homem singular. Um homem sem amarras demasiado apegado a sua liberdade. As mulheres não ficam indiferentes a ele e sei que o caminho dele já cruzou o caminho de muitas delas. São os olhares, os movimentos, os gestos, que não deixam dúvidas.

Observo-o sempre com um cuidado de espia. Não quero que ele se aperceba que estou a tentar entrar na sua alma. Interrogo-me se um dia ele me conta a sua história. Já ouvi muita coisa sobre ele. Pequenos boatos, enredos mirabolantes, dos quais não sei onde começa ou acaba a verdade. Às vezes ponho-me a pensar se amou ou soube amar alguma destas mulheres que vejo aparecer e desaparecer e se alguma delas soube compreender a sua natureza livre.

Quando olho para ele traz-me a lembrança um passarito que tive em miúda. Era um pássaro demasiado livre e não conseguia viver engaiolado. Numa das suas inúmeras tentativas de fuga quebrou uma asa. Mesmo ferido continuou a tentar voar sem me dar oportunidade de o ajudar. Fugia de cada vez que lhe estendia a mão, ao mesmo tempo que me fixava o olhar à espera de ajuda. Lembro-me que o libertei logo que ficou curado da asa, pois já não aguentava mais assistir a sua luta contra a prisão a que o tínhamos votado. Gostava tanto dele que preferi soltá-lo para que fosse feliz. Depois de livre continuou a rondar a minha casa. Não vinha todos os dias mas de vez em quando aparecia como que para dizer que não me tinha esquecido mas prezava demasiado a sua liberdade.

Acho este homem um pouco parecido comigo. Se estou presa só penso na liberdade mas quando tenho a liberdade nas mãos não sei o que fazer com ela porque fico na solidão. Acho-o capaz de gerar grandes paixões e grandes ódios, tal como eu. Há seres que não conseguem viver no meio-termo. Os outros ou nos amam ou nos odeiam, e o ódio anda sempre de mãos dadas com o amor. Eu aprendi a viver sem o meio-termo e não sei se alguma vez vou conseguir viver de outra forma. E ele? Será que aprendeu a viver com isso ou foi o próprio criador orgulhoso dos ódios e paixões que o rodeiam?

Levanto-me da mesa do café. Despeço-me desse homem que espicaça a minha curiosidade
de nativa de caranguejo. Talvez nunca venha a conhecer a sua verdadeira história, mas uma coisa eu sei, é que vou continuar a tentar.

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