sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A azia do amor

Não. Ela jura que não. Jura que nunca tinha pensado nele dessa forma. Era mais a tesão do mijo, nada de especial. Achava-o engraçado e, sim, ela admite, interessante, mas mais nada. E eu acredito. Tenho que acreditar nas palavras de uma amiga. Embora eu tenha muitas dúvidas sobre muita coisa, mas sobre isto não tive. Ela realmente estava apaixonada na altura em que se conheceram e não era por ele. Mas realmente foi bom conhece-lo. Sim, ela também admite isso agora. Eu já estava farta de a ver sofrer por uma causa sem solução. Continua a sofrer, mas agora é diferente. Ela pensa demasiado. Ela tem ciúmes da própria sombra. Ela realiza filmes que não existem. Mas sou eu diferente? Nem por isso. Eu adoro fazer filmes complicados das coisas mais simples. Mas isso sou eu.

Nós rimos muito quando pensamos na nossa vida. Eu gosto de rir e ela brilha quando sorri. Gosto de a fazer rir, nem que seja para acabar com as infinitas azias que a atacam pelo menos vinte uma vezes por dia. Por semana já perdi a conta. Talvez eu pudesse apontar num caderninho as azias dela e à frente de cada uma a razão da mesma. Daqui a uns anos deveria ser engraçado desfolhar os cadernos e mais cadernos. Ou então talvez não fosse assim tão engraçado.

Ela gosta mesmo dele e diz que não sabe como isto aconteceu. Eu cá por mim tenho uma teoria. Ele dá-lhe carinho, atenção, amor, enfim tudo aquilo que alguns seres humanos não encontram uma vida inteira. Mas ela é ríspida de vez em quando porque não gosta de dar o braço a torcer. Então é ele que fica com a azia e não dá o braço a torcer. No fim são eles que me deixam com azia, com tantas azias à solta. Eu compreendo-a, mas também o compreendo a ele, só não me compreendo a mim, mas isso é outra história.

É o signo, diz ela, é do signo. São os dois do mesmo signo. Eu até acredito que sim. Quem sou eu para refutar tal fundamento? Eu ate leio o meu signo todos os dias nos jornais, enquanto tomo o meu café depois do almoço. Não me ajuda em grande coisa, mas sempre dá para comparar a vida realmente como ela é. Se eu fosse pelo meu signo andava em altas e repleta de noites tórridas, mas na verdade está um frio do caraças e acabo sempre a dormir abraçada a minha almofada de serviço.

Achas que só falo dele, pergunta-me ela de vez em quando. Eu até acho que sim, mas eu também sou um bocadinho obsessiva com certos assuntos, por isso sou capaz de compreender que quando estamos apaixonados não conseguimos falar de outra coisa e se falamos de outra coisa acabamos por chegar facilmente ao mesmo assunto. Tudo faz lembrar. Se não é um carro igual que passa, pode ser mesmo uma camisola como a dele, ou uma notícia no jornal, ou uma frase que ele repita muita vez. Não interessa se estamos a falar de política, de futebol ou da tosquia do cão, na verdade temos uma facilidade única de chegar sempre ao assunto.

Viste, desta vez não fui eu, não sou eu a culpada, diz ela pela milésima vez. Ele estava a olhar para ela, eu vi. Eu também vi, mas não me pareceu coisa de grande importância. Eu também olho para quem entra e sai. Mas não vale a pena dizer que não. Ela vai levar a dela a avante e logo à noite já não é nada. O ciúme deixa-nos cegos para a maior parte das coisas importantes e abre-nos os olhos para as coisas mais ridículas que se podem pensar. O ciúme é uma coisa muito complexa. Se não sentimos ciúme pensam logo que não gostamos, que somos um bloco de gelo, que não estamos para aí virados. Mas se sentimos ciúme é o fim do mundo, porque não temos confiança, porque queremos prender a outra pessoa, porque somos ridículos. Qual será a quantidade de ciúme perfeita? Ainda estou para descobrir e acho que o mundo também. Hoje é ela que está com a azia e amanha aposto que vai ser ele. Aposto que vou ouvir uma coisa do género, imagina lá porque é que ele não me atendeu o telefone? E eu imagino calada até que ela conte tudo. Ora, pode ser porque ela não lhe mostrou uma mensagem qualquer, que de certeza era minha. Pode ser porque ela saiu à noite, e de certeza foi comigo. Pode ser pelas coisas mais parvas, mas eu imagino à mesma.

Na verdade quem é que nunca sentiu uma azia? Aquela azia que sobe pelo corpo, que ataca o sistema nervoso e nos deixa estupidificados de um momento para o outro. Aquela azia que surge a cada discussão, a cada percalço de uma relação amorosa. Aquela azia que desperta, até numa paixão que não queremos admitir. Aquela azia a que eu dou o nome de azia do amor.

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