domingo, 15 de novembro de 2009

Um dia normal

O mar. O mar entra-me pelos olhos, pelos pulmões, pelos ouvidos, pela pele. O mar acalma-me como nada neste planeta é capaz de o fazer. O mar, sempre o mar em mim. A minha mãe diz que é do meu signo de água. Há quem diga que sou parecida com ele. Sou capaz de passar de um estado pacífico para um estado tumultuoso de um momento para o outro.

Levanto-me e sacudo a areia da roupa. Olho uma última vez à minha volta. Gosto de ver a praia vazia. Não há bolas no ar. Não há gritos de miúdos. Não há famílias inteiras nos seus acampamentos de chapéus e barracas. Não há bailados de toalhas. Não há gelados e bolacha americana. Não há rádios a pilhas. Não há ruído que não seja o do mar e os gritos das gaivotas.

Enquanto caminho pela marginal vou fazendo apostas estúpidas. E se eu pisar só a calçada azul e porque gostas de mim. E piso só a calçada azul. Vou muito atenta. Não quero cair em falso na calçada branca. Vou fazendo uma ginástica quase impossível para não pisar as partes brancas do passeio. Devo parecer uma pateta para quem me vê neste equilibrismo sem sentido. Paro com a brincadeira infantil. Sento-me no muro. Acendo um cigarro. Apenas arde metade. É porque estás a pensar em mim. Disseram-me isso uma vez. Prometi a mim mesma que não ia pensar em ti hoje. Sacudo a areia das sapatilhas enquanto firmo o cigarro com lábios. O fumo entra-me nos olhos e fico cheia de lágrimas. Detesto quando isto me acontece. Olho mais uma vez o mar com os olhos embaciados pelas lágrimas. Aquelas lágrimas que eu gostava que fossem por ti. Mas não consigo chorar.

Entro no carro. Tenho que ir. Vou cheia de mar dentro de mim. Às vezes ainda sonho com aquela casa que gostava de construir junto ao mar. Já estou a vê-la. Térrea, com um alpendre a toda a volta. O quarto virado para o mar. Imagino-me a acordar de manhã ao som das ondas. Abrir as portas de vidro e descalça descer as dunas e caminhar até junto da água. Depois voltar para casa e tomar o pequeno-almoço no alpendre. Tu já estas à minha espera sentado na cadeira de madeira. E volto a pensar em ti. E se eu conseguir que o meu carro ande em ponto morto até à última passadeira dos peões é porque vais ficar comigo para sempre. Coloco a mão nas mudanças. Quase deixo o carro ir abaixo, mas consigo chegar à passadeira e fico feliz.

Não. Vou parar de pensar em ti. Estou a tornar-me obsessiva. Passo os dias a olhar para o telemóvel à espera que ligues. Gasto o relógio de tanto olhar o tempo que custa a passar. Dou mais de mil voltas pela cidade na esperança de te encontrar numa esquina qualquer. Faço planos e traço estratégias que sei que nunca vou concretizar. Imagino-te de todos os feitios e formas e cores. Estás em todos os lugares a que vou. Estás em tudo o que faço. Estás sempre do meu lado. Estou completamente perdida por ti. Unicamente penso em ti. Não como. Não durmo. Se durmo sonho contigo. Consumo-me a pensar no que estarás a fazer. Com quem estás. Onde estás. Se pensas em mim.

Paro o carro. Já dei tantas voltas na marginal que até me sinto atordoada. Saio e sento-me no muro. Estreito os joelhos ao peito. Fecho os olhos e deixo-me embalar pelos sons que me rodeiam. Não sei quanto tempo estive assim. Embalada pelo som do mar, pelas vozes das pessoas que passam, pelo tic-tic das patitas dos cães, pelos pneus dos carros no piso molhado. Quando abro os olhos já está a cair o sol no horizonte.

Perdi a conta às vezes que te convidei para assistires ao pôr-do-sol comigo. O céu começa a ganhar um tom alaranjado e o mar brilha como a prata. Nunca aceitaste. Estás sempre ocupado. O mar continua à espera que o sol se deite na cama que ele lhe prepara todos os dias. Eu continuo à espera de ti.

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