domingo, 29 de novembro de 2009

Quem acredita no destino?

Debaixo da mesma lua e das mesmas estrelas mas tão longe de se encontrarem. Talvez sejam almas gémeas mas não sabem. Enquanto ela bebe um copo no bar habitual ele conduz sem direcção certa pela cidade. Por um mero acaso, ou porque o destino é muito desordenado, ouvem a mesma música. Ela ouve a música e fica triste. Ele ouve a música e sorri. Ela espera que ele entre no bar naquele exacto momento. Ele espera que ela passe de carro naquele exacto momento.

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Debaixo do mesmo céu mas tão longe de se encontrarem. No bar entra um casal de meia-idade. Na avenida passa um autocarro. Ela sorri. Ele fica triste. Acaba a musica. Enquanto ela sai do bar e entra no carro ele sai do carro e entra no bar. Talvez sejam mesmo almas gémeas mas não se cruzaram.

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Debaixo da mesma noite mas tão longe de se encontrarem. O mesmo destino desordenado faz tocar os telefones ao mesmo tempo. Ela olha mas não quer atender. Ele olha e quase atende. Ela fica triste. Ele sorri.

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É manhã. O sol entra pelas vidraças do quarto. Ainda deve ser cedo pois o despertador ainda não tocou. Ela olha para o relógio e levanta-se de um pulo. Desliga o despertador que já deveria ter tocado a meia hora. Deve ter dormido umas duas horas. Não foi uma boa noite pois acordou triste. Leu um livro inteiro mas não consegue lembrar-se da história. Lembra-se sim de fragmentos de um sonho muito perturbador. Tenta juntar bocadinhos desse sonho mas parece que as imagens fogem de cada vez que faz um esforço para visualizar. Um bar, um casal de meia-idade, aquela música. Não consegue achar um fio condutor nos pedaços do seu sonho.

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A pastelaria está cheia como já é habitual. O barulho não costuma ser um incómodo mas hoje apetece-lhe calar aquelas pessoas todas. Não presta atenção à conversa que flúi na mesa. Enquanto sopra para arrefecer o leite com café vai tentando lembrar-se do sonho que teve durante a noite. Acordou atarantado e a sorrir. Lembra-se de algumas coisas. Um autocarro, um telefone, aquela música. Agora é difícil juntar as imagens que lhe pareceram tão nítidas logo que acordou.

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Fecha a porta do carro e verifica se tem tudo o que precisa consigo. Já é hábito esquecer-se de alguma coisa importante. Está tudo em ordem. Olha para o relógio e verifica que já está um bocadinho atrasada mas ainda vai ter que tomar qualquer coisa na pastelaria. Para não variar esqueceu-se de ir as compras e não tinha grande coisa em casa. Enquanto estaciona o carro em segunda fila olha para dentro da pastelaria. Está a rebentar pelas costuras mas com um bocado de sorte vai conseguir mesa ou encontrar alguém conhecido com quem se sentar a conversar um bocadinho.

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Só lhe faltava mesmo isto. Um carro em segunda fila a tapar-lhe a passagem. Detesta ter que buzinar mas não tem outra hipótese. Aposta que deve ser mulher e, com um bocado de azar, surda. Realmente o dia já está a começar mal, a sorte é que acordou a sorrir, o que pode ser uma atenuante para o mau humor que sente crescer dentro de si. Com tanto carro ali estacionado tinha que ser o seu o feliz contemplado.

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Logo agora que já tem o café e a torrada na mesa é que tinham que começar a buzinar. Aposta que deve ser homem e dos nervosos pois não para de tocar a buzina do carro. Só lhe apetece fazer-se de surda e deixá-lo agarrado a irritante buzina. Acende um cigarro, pega nas chaves e dirige-se para a porta enquanto vai resmungando mentalmente.

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Assim que a vê sair disparada da porta da pastelaria fica perturbado e percebe que é ela. As imagens tornam-se mais nítidas. O autocarro que passa em vez de um carro, o telefone que toca e ele quase atende, a música que o fez sorrir.

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Sente o coração a palpitar mal o vê dentro do carro ainda com a mão na buzina e especado a olhar para ela. Agora consegue achar um fio condutor. O bar onde toma um copo, o casal que entra em vez dele, a música que a deixou triste.

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Debaixo do mesmo sol, tão perto de cruzarem as suas vidas mas tão longe de se encontrarem. Talvez sejam almas gémeas mas não sabem. Enquanto ela retira o carro e para alguns metros à frente ele sai do estacionamento. Por um mero acaso, ou porque o destino é muito desordenado, ouvem a mesma música no rádio dos seus carros. Ela ouve a música e sorri. Ele ouve a música e sorri.

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