quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Coração destorcido

O coração bate descompassado e parece querer saltar do peito. As mãos tremem desordenadas e os olhos principiam a ficar muito, muito pequeninos. O estômago já esta às voltas e a cabeça a milhas.

Ela pressente o desastre iminente. Já não há hipótese de fuga. Agora vai aguentar até ao fim, nem que doa, nem que a vaca tussa. Sempre foi uma mulher forte e não é agora que vai vacilar. Se tiver que esbarrar de frente assim seja e se tiver que sucumbir que seja do coração.

Será que algum dia vai ser capaz de viver a vida sem complicações, imprevistos e embrulhadas? Talvez não. Qual era a piada de uma vida previsível e sem mixórdias? Bom, pelo menos deixava de ter problemas coronários e afins.

Enquanto se questiona engasga-se a beber a água com gás. Sim, era só o que faltava, morrer sufocada com água. Era realmente uma morte muito pouco digna, mas com a sua piada. É a única pessoa que conhece capaz de se engasgar até com o ar.

Não. As coisas não estão fáceis, mas é preciso manter a calma. Respira fundo e consegue deixar de tossir. O que não consegue é estabilizar aquele coração anárquico. Bate, bate, bate e não para de bater sem governo possível. Não vai ser simples voltar a bater com as normais pulsações de passarinho.

Tem que se distrair com alguma coisa. O primeiro passo é deixar de olhar para lá. O passo seguinte é colocar um ar muito descontraído. Depois não seria muito mal pegar no jornal e pelo menos tentar ler alguma coisa. O que era mesmo bom era que chegasse alguém conhecido com quem discutir qualquer assunto, nem que fosse física quântica ou a dificuldade dos bordados de bilros. Se nada disto resultar e se não aparecer ninguém, talvez o melhor fosse desaparecer já dali.

Desaparecer era uma boa solução se as pernas deixassem de tremer como uma gelatina e obedecessem ao cérebro. O problema está na falta de coordenação que ela sabe que lhe surge nos momentos de pânico. Fugir dali a arrastar uma perna ou a sapatear não é o mais indicado. O mais provável era cair de uma forma aparatosa e sem qualquer respeitabilidade possível.

Coloca a mão no pescoço para sentir a pulsação. Continua numa velocidade vertiginosa e quem sabe quando vai parar de bater assim aquele coração. Com tanto pum pum pum começa a temer que alguém ouça os batimentos. Olha à volta mas parece estar tudo normal. Ninguém ainda reparou na agitação. Começa a balançar o pé sem cessar. Um tique horroroso que nunca conseguiu combater ao longo dos anos. É um tique quase tão mau como o de por a língua de fora, bem apertada pelos lábios, de cada vez que estÁ concentrada a fazer qualquer coisa.

De repente desata a acenar, num gesto exagerado de quem está a afogar-se mas ainda tem tempo para pedir socorro. Ela sai do carro e dirige-se para junto dela. Senta-se.
- Já viste quem está na mesa do lado?
- O que te parece? Achas que estou aqui paralisada porquê? Porra, demoraste uma eternidade. Mais um bocadinho e apanhavas aqui os meus restos mortais.
- Tu realmente não existes! Fala com ele de uma vez por todas e acaba com esta luta sem sentido.
- Não. Assim posso querê-lo todos os dias sem a hipótese de o perder depois.

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