quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Sozinha

Gosto da noite. Gosto de estar sozinha à noite. Gosto essencialmente de estar aqui fora, sozinha a observar e a ouvir a noite.

Não gosto da noite silenciosa. Gosto de ouvir os barulhos, o movimento. Não gosto da noite apagada. Gosto de ver as luzes das janelas, dos candeeiros da rua, dos faróis dos carros. Imagino o que se passa por trás de cada janela, de cada varanda, de cada casa. Imagino as alegrias, as tristezas, as discussões, as reconciliações, a solidão, o convívio, as conversas, os silêncios. Imagino uma história diferente para cada janela iluminada, para cada varanda onde descem as persianas, para cada casa deste pedaço de cidade que sossega na noite.

Adivinho os passos e o movimento nas casas alheias. Mantenho-me imóvel e atenta e ouço os barulhos que me são tão familiares. Ali ouço o cão a ladrar, talvez de felicidade com a chegada da dona. Mais perto uma televisão ligada numa novela qualquer pode estar a reunir uma família em volta de si. Aqui ao lado ouço as vozes dos miúdos que protestam provavelmente a hora de deitar. Por cima o eterno tiquetique dos saltos altos de uma mulher que se prepara para uma noite especial. Em frente o inter cortado do sistema de rega do pequeno relvado que não merece tanto cuidado. Lá longe o motor de um carro velho numa manobra difícil quiçá para entrar numa garagem mal idealizada.

Este meu lado mais voyer deveria preocupar-me. Estou a deixar a minha vida própria para trás. Estou a viver a vida dos outros, estou a esquecer-me de mim. Talvez seja medo de voltar a viver a minha vida e fracassar mais uma vez. E mais fácil viver a vida dos outros, dos que desconhecemos, porque nada nos atinge realmente. Rimos e choramos as alegrias e as dores que não são nossas e não deixa cicatrizes. É como sonhar acordada. Somos o guionista, o realizador, o actor e o espectador da nossa própria vida. Podemos ser quem quisermos e nada nos pode deter quando sonhamos acordados. Vamos por ai fora e quando damos por ela somos heróis, magnatas, bonitos, famosos, desejados, interessantes, únicos, tudo aquilo que às vezes a vida real nos nega.

Mas por vezes sinto-me sozinha. Admito que me sinto sozinha. Não vale a pena fingir que gosto da solidão todos os dias. Há dias que gostava que alguém estivesse aqui comigo a observar e a ouvir a noite. Alguém que observasse e ouvisse a noite em silêncio, do meu lado, porque às vezes não são precisas palavras, porque às vezes o silêncio também e palavra.

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