terça-feira, 17 de novembro de 2009

Saudades

A casa estava tal e qual como a tinha deixado, mas depois de tantos dias fora já parecia desconhecer o próprio lar. Era sempre assim em cada regresso. Passava tempo demais longe de tudo e de todos. Sabia que à noite iria estranhar a própria cama. Já não estranhava os quartos de hotel nem a comida dos restaurantes. Estranhava a própria casa.

Abre a mala de viagem. Fica a olhar para a roupa que sabe que tem que arrumar e pôr para lavar. Hoje não lhe apetece fazer nada. Vai deixar tudo para amanha. Atira-se para cima da cama e fecha os olhos. Pensa no trabalho que correu tão bem desta vez. Chegou agora e já tem saudades dos colegas, das chatices, da correria sem fim, do stress. Sorri. Agora vai descansar uns dias. Liga a televisão e deixa-se estar ali deitada. A esta hora sabe que só vai apanhar programas de telecompras, mas também não vai ligar a ninguém aquelas horas. Amanhã vai fazer tudo isso. Adormece quase instantaneamente.

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O sol entra pela janela cheio de força. Esqueceu-se de baixar as persianas. Ouve vozes da televisão que ficou ligada toda a noite. Ainda está vestida com a roupa de ontem. Começa a considerar que vai ter que levantar-se e tomar um banho. Não tem fome, mas vai ter que comer qualquer coisa. Olha para o relógio. São quase horas de almoço e lembra-se de que não tem nada no frigorífico. Pega no comando da televisão e procura um canal de música. Depois agarra no telemóvel e vê o aviso de chamadas e mensagens que vai deixar para responder mais tarde. Levanta-se de um salto e começa a despir-se ao mesmo tempo que se encaminha para o quarto de banho.

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Enquanto se dirige para o restaurante pensa que não está arrependida da vida que escolheu. Também não está arrependida de ter acabado com aquele relacionamento difícil e longo. Às vezes sente-se perdida, mas isso é normal. Estiveram juntos tanto tempo que é difícil desabituar o corpo e a mente de um hábito adquirido. Agora tem consciência de que já não era amor nem paixão que a uniam aquele homem. Descortina os amigos na mesa da esplanada do restaurante e acena com entusiasmo. Tem tanto para contar e sabe que eles já estão a espera de ouvir as histórias mirabolantes que traz de cada viagem.

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Retira o rolo fotográfico da mala e entrega-o a empregada da loja. Enquanto estão a revelar vai ter tempo de fazer as compras no supermercado. Está ansiosa para ver as fotografias do último trabalho. Senta-se num banco e coloca outro rolo na velha máquina. Tem sempre um rolo de sobra na mala. Não consegue habituar-se às máquinas digitais, pois as fotografias perdem toda a piada. Pode sempre escolher uma e apagar outras e tentar uma e mais vezes. Não, não lhe agrada. Falta o elemento surpresa. Adora rir das caras e dos momentos únicos. Adora toca-las e revê-las milhares de vezes logo que as vai buscar as lojas de revelação. Pode parecer uma parvoíce, mas é o que sente. Pega no telemóvel e procura o número que desde manha tem vontade de marcar. Odeia fazer compras sozinha e já tem saudades dele.

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Não presta muita atenção ao que ele tem estado a contar durante o jantar. Olha para ele simplesmente e apercebe-se que sentiu a falta dele enquanto esteve fora. Não sabe se isso é muito bom ou não, mas tem a certeza de que não vale a pena pensar muito nisso. Enquanto brinca com a comida que tem no prato decide que vai viver esta relação baseada no presente. Não vai querer saber do passado nem vai rebentar o cérebro a pensar no futuro. Volta a olhar para ele e sorri daquele ar trocista que ele faz quando fala de alguma coisa engraçada.

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Ele despe-a devagar sem dizer uma palavra. Beija-a uma, duas, milhares de vezes. Ela olha-o nos olhos e de repente apetece-lhe chorar de felicidade. Aperta-o contra si com toda a força que tem. Não entende como é possível que alguém que conhece há tão pouco tempo a preencha tão plenamente. Agora sabe que vai ser difícil deixá-lo de cada vez que tiver que partir.

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