quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O teu abraço é o meu sossego

É do seu abraço que ela sente mais a falta. Daquelas noites em que ele pedia baixinho para que ficasse. Fica comigo esta noite, pedia ele com aquela vozinha que ela não sabia como contrariar. Não, respondia ela, não posso. Mas sabia que acabava por ficar. Tirava a roupa de novo. Entrava nos lençóis e deixava-se enroscar. Descansava sossegada nos braços dele. Sentia a respiração dele no pescoço e sabia que não podia ser mais feliz do que o era naqueles momentos.

Às vezes parava a olhar para ele. Sentia que aquela felicidade não poderia durar para sempre. Eram tão diferentes. Ali estava ele adormecido nos seus braços. Um menino com ar de anjo. Respirava tão baixinho que ela tinha medo que ele estivesse morto. Nessas alturas colocava a mão junto da boca dele para sentir a respiração. O peso do braço dele sobre o seu corpo descansava-lhe a alma e os remorsos. Ele era tão novo.
Nessas noites ela não conseguia dormir. Tinha medo de mover-se na cama e acordá-lo. Mal respirava. Sentia um aperto no peito tão forte que chegava a magoar. Sentia vontade de gritar. Não sabia se de felicidade se de medo de ficar louca. Durante essas noites ele procurava o corpo dela. Apertava-a com força. Encaixava-se todo nela e voltava a dormir.

Havia noites em que se esqueciam de fechar totalmente as persianas e a luz da rua invadia o quarto. Ela podia ver distintamente o corpo dele. Jovem, perfeito. Conhecia cada curva, cada cicatriz, cada recanto, cada sinal. Fechava os olhos e via-o distintamente. Era preciso guardar cada pedaço do corpo dele na sua memória. Um dia, sabia que iria lembrá-lo assim. Aos pedaços. Os olhos tristes. As mãos perfeitas. O nariz torto. As orelhas pequeninas. As pernas musculadas. Os joelhos salientes. Os braços magrinhos. O tronco seco mas com barriguinha. O cabelo despenteado. Os pés com dedos curtos. Não sabia se mais tarde o irá lembrar por esta ordem. Se o irá lembrar por inteiro ou aos bocadinhos.

Nas madrugadas e manhãs ela voltava para casa. Pensava sempre nas mãos dele que poucas horas antes tinham percorrido o seu corpo. Sentia ainda os beijos. Sorria sempre ao observar as marcas que ele sem querer infligia nos seus braços. Depois deixava de sorrir. Ficava séria. Pensava se ele pensaria nela depois de o abandonar na cama onde se tinham amado.

Ela quis dizer-lhe na cara, depois de todas essas noites, que ele era a sua alma gémea. Nunca teve coragem ou nunca se proporcionou. Dizer-lhe como? Ela tinha medo. Ele fazia-lhe lembrar um animalzinho selvagem. Se o apertasse demais ele iria fugir. Talvez já lhe tivesse dito por outras palavras. Mas ele não entendeu ou fez que não entendeu. Talvez o melhor fosse não dizer nada. E ela não disse nada depois dessas noites.

Agora, gostava de pelo menos lhe ter podido dizer: o teu abraço é o meu sossego…

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